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Artigo - Paraísos Fiscais: a evasão das megacorporações e o empobrecimento dos Estados

Por: Giovanna Moreira Ghetti Senra


Fugir dos impostos, aproveitar-se de cargas tributárias baixíssimas ou nulas e aumentar o lucro, é o cenário sonhado por muitas empresas e empreendedores, sem dúvidas. Essa idealização é, contudo, algo bastante concreto há anos no mercado internacional. Os paraísos fiscais, tema critico mundo afora, que permeia a ilegalidade e a imoralidade, vem trazendo enormes consequências econômicas e sociais para os mais diversos países.


São definidos como paraísos fiscais os territórios que oferecem múltiplas condições favoráveis para a abertura de empresas. Essas condições são, na realidade, a cobrança de cargas de tributação menores que 20%, além da baixa exigência de transparência informacional das companhias que se instalam ali. Desta maneira, as offshores, nome dado às empresas abertas nos paraísos fiscais, se beneficiam ao não precisarem pagar altas taxas sobre seus lucros e ativos, um feito que provavelmente não seria possível em seu país de origem. No Brasil, para abrir uma offshore em algum paraíso, a Receita Federal requer algumas exigências. Por exemplo: uma declaração de sua abertura e ativos que possui e, caso esses ativos ultrapassam 1 milhão de reais, o Banco Central precisa receber também uma declaração. No geral, entretanto, o processo burocrático para a fundação dessas empresas não enfrenta muitos desafios, já que o objetivo central dos paraísos fiscais é priorizar a facilidade dos negócios.


De acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, a OCDE, existem, atualmente, mais de 40 países classificados como paraísos fiscais. Uma lista divulgada em 2022 pela Receita Federal brasileira apresentou alguns deles: Singapura, Emirados Árabes Unidos, Mônaco, Catar, Aruba, Maldivas, Chipre, Suíça, Luxemburgo, Hong Kong, Ilhas Cayman, Ilha de Jersey, Ilha de Man, Malta, Barbados, Filipinas, entre muitos outros.


Com efeito, antes de abordar os desdobramentos negativos dos paraísos fiscais para os demais países, vale ressaltar que essa prática não é necessariamente ilegal, sendo imprescindível diferenciarmos a elisão da evasão fiscal. A prática legalizada chama-se elisão fiscal e funciona da seguinte maneira: a partir da leitura da legislação, encontram-se diversas passagens dúbias, ou seja, que podem ser interpretadas de outro modo. Cria-se, assim, uma brecha nos parágrafos da legislação, que são aceitas legalmente. As grandes empresas e conglomerados se aproveitam, então, desta dupla interpretação para pagar baixos impostos ou não pagá-los. Entretanto, há uma linha tênue entre a elisão e a evasão fiscal. A prática da evasão fiscal é ilegal e consiste em cometer infrações tributárias, na tentativa de esquivar-se do pagamento dos impostos ou reduzi-los indevidamente. Desta maneira, as corporativas omitem e falsificam documentos, maquiando seus gastos e sonegando os impostos. Nesse contexto, não somente as baixas cargas tributárias, mas, principalmente, a pouca exigência de transparência nas transações e origens dos lucros das offshores atrai investimentos criminosos. No caso, as vantagens dos paraísos fiscais são frequentemente utilizadas para práticas ilícitas, como a lavagem de dinheiro, que tornam-se mais difíceis de serem rastreadas e identificadas pela justiça. Dentro dos paraísos, as empresas têm espaço para utilizar manobras de lavagem, como o Commingling e o Smurfing. Assim, a culpabilização do agente ilegal é praticamente impossível.


Com base nestas atividades criminosas nos paraísos fiscais, percebe-se que os desafios que esses territórios trazem para a justiça são múltiplos. A crescente problemática é algo que chama atenção do mundo, principalmente por afetar de maneira negativa a cooperação internacional para o combate à corrupção e aos crimes financeiros. Por exemplo, uma das vantagens dadas pelos paraísos fiscais para as empresas é a ausência de troca de dados com a comunidade internacional, tendo inclusive a prerrogativa de não compartilhar informações em casos de investigação, como explica o artigo “A utilização dos paraísos fiscais através do planejamento tributário internacional e a conexão com a lavagem de dinheiro” da Faculdade Sete de Setembro. O sigilo societário é outro fator oferecido às empresas que irá gerar um obstáculo para a cooperação internacional contra o crime. É a partir desse sigilo que o investidor usufrui do anonimato, ou seja, o nome do titular das ações não fica necessariamente registrado nos órgãos competentes. Por conseguinte, a justiça encontra dificuldades em desvendar a identidade do possível criminoso.


Além de todos os empecilhos que os paraísos fiscais geram para o combate aos crimes financeiros, eles ainda prejudicam os países ao seu redor de outras maneiras.


Em primeiro plano, a fuga de grandes empresas para esses outros países acaba acarretando em uma significativa perda de empregos nos Estados. Invés de gerar mais oportunidades de trabalho para os cidadãos, quando as megacorporações saem de seu país de origem, elas levam consigo toda e qualquer chance de emprego que poderia ser construída ali. Sérgio Nobre, atual presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), ressaltou, durante discurso feito no ano de 2021, o impacto da problemática no Brasil: “Nesse País onde os empregos vazam para os paraísos fiscais ou para o lucro dos bancos, que cresceram nesse ano 53%, a classe trabalhadora está em estado de choque com a destruição das atividades produtivas, que deixaram um cenário de guerra.”


Em segunda análise, a partir do momento que empresas riquíssimas criam suas offshores, elas estão, teoricamente, escapando da responsabilidade fiscal de seu país de origem. Em um efeito cascata, isso acaba prejudicando o desenvolvimento daquele Estado, uma vez que sua arrecadação tributária diminui significativamente. Desta maneira, cria-se uma maior dificuldade para investir em políticas e projetos públicos que seriam absolutamente benéficos para a população. De acordo com a Tax Justice Network, cerca de 21 a 32 trilhões de dólares estão guardados em paraísos fiscais, jamais retornando para seu território original. Portanto, os super-ricos e as megacorporações seguem aumentando seu lucro, enquanto a população de suas terras natais perde cada vez mais a chance de possuir acesso ao ensino e à saúde pública de qualidade, por exemplo.


Não só o reinvestimento dos impostos na sociedade é prejudicado, mas também o próprio sistema tributário torna-se, nessa situação, mais pesado e exigente para as classes médias e baixas. Sob essa ótica, na tentativa de suprir o dinheiro dos riquíssimos empresários que "fogem" para os paraísos fiscais, os Estados veem, muitas vezes, o aumento dos tributos como a alternativa mais viável. Ao analisar-se, por exemplo, países como o Brasil, no qual boa parte da arrecadação tributária ocorre por meio do consumo, o custo de vida fica notoriamente mais sufocante para o cidadão comum.


Uma pesquisa realizada pela Oxfam (Oxford Committee for Famine Relief) em 2017 revelou que a evasão das megacorporações para os paraísos fiscais causam a perda de 14 bilhões de dólares por ano no continente africano. Dinheiro este que, segundo o estudo, seria suficiente para educar todos os menores e custear os cuidados de saúde de 4 milhões de crianças no continente. A Oxfam estimou, por fim, que a África perde mais dinheiro com o processo da evasão fiscal do que recebe em colaborações internacionais.


Para além do continente africano, territórios latinos e asiáticos também encaram a problemática dos paraísos fiscais. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, abreviadamente Cepal, conclui que, no ano de 2014, às grandes empresas e pessoas jurídicas evadiram 190 bilhões de dólares dos países latinos, o que correspondia a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) do continente. Vale salientar que países como Equador e Costa Rica tiveram sua capacidade de arrecadação dos tributos empresariais extremamente reduzida: cerca de 65% a menos do que seria, caso esse dinheiro fosse aplicado nos seus territórios. Já na Ásia, de acordo com um levantamento feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), ao combinar as perdas por evasão fiscal do Japão, da China e da Índia, totaliza-se mais de 150 bilhões de dólares perdidos por ano. Se essas grandes economias já são ferozmente impactadas, as menores são ainda mais prejudicadas. No Paquistão, por exemplo, se perde anualmente cerca de 5% do PIB em lucros empresariais mantidos nos paraísos fiscais.


Ademais, cerca de 10 milhões de pessoas, meramente menos de 0,2% da população mundial, são donas do dinheiro estocado nos paraísos, segundo dados da Oxfam de 2020. Ou seja, toda a riqueza evadida está, ainda por cima, nas mãos somente de uma baixíssima parcela populacional, enquanto o restante é privado do acesso a investimentos sociais em seus Estados.


A popularização dos paraísos fiscais ajuda a perpetuar um retrato crítico da sociedade. Esses territórios implicam em consequências seríssimas que vão desde o desemprego, até ações ilegais e o empobrecimento dos Estados. É notório que esse cenário precisa ser revertido com urgência, por meio de mudanças nessas dinâmicas, que permitiriam o maior controle dos paraísos fiscais.


O Instituto de Estudos Socioeconômicos fez um levantamento sobre como seria possível contornar essa situação, sugerindo algumas políticas que poderiam ser desenvolvidas. Uma das sugestões foi um projeto de Organismo Intergovernamental na ONU que seria responsável por criar um espaço de fala igualitário entre todos os países, discutindo o sistema de tributos nos paraísos fiscais. Atualmente, apenas as nações que compõem o G20 e a OCDE possuem voz para se expressarem sobre o assunto, mas acabam excluindo outros países que também são afetados. Além disso, propostas que vão dificultar a ação dos sonegadores seriam uma opção interessante. Registros públicos capazes de estabelecer quem são os reais donos do dinheiro, sem oferecer a chance de mascarar os investidores por trás das transações, colaboraria para a redução de empresas de fachada e de transações suspeitas de ativos.


Sem dúvidas, todas essas ações seriam cruciais para que a comunidade internacional pudesse solucionar problemas já existentes graças aos paraísos fiscais. Entretanto, particularmente, acredito que seria relevante pensarmos em caminhos que atacassem a raíz da situação, evitando, primeiramente, que as multinacionais evadissem seu dinheiro. Nesse sentido, caso houvesse políticas nacionais, mediadas pelas leis, que incentivassem o empreendedor a manter-se em seu país de origem, a influência dos paraísos também diminuiria. É necessário, portanto, a criação de projetos que estimulem o empresário local a investir dentro do seu país. No Brasil, por exemplo, existem diversos pontos que acabam desanimando o investimento. Em 2017, um estudo da Doing Business acerca da facilidade para abrir uma empresa constatou que, em uma lista de 190 países, o Brasil estava em 175 lugar. Ou seja, aspectos como o excesso de burocracia, a falta de educação empreendedora e taxas excessivas de imposto desmotivam as companhias a permanecerem aqui. Enquanto em solo brasileiro se demora cerca de 80 dias para iniciar um negócio, na Nova Zelândia o processo dura um dia e meio. Se, dentro da lei, esse tempo fosse encurtado, as exigências diminuídas e a taxação mais regulada, evitaria-se a fuga de muitas empresas não somente no Brasil, mas em várias outras regiões que sofrem do mesmo problema.


Conclui-se, por fim, que os paraísos fiscais geram, há muito tempo, um alvoroço na economia internacional e doméstica de cada Estado. Por isso, esses países precisam ser estudados e, a partir desta análise, planejamentos que impeçam sua influência negativa devem ser criados e, acima de tudo, efetivados. Por mais catastróficos que sejam as consequências dos paraísos no mundo, existem sim maneiras de contornar o quadro atual, sempre por meio da persistência e do maior compromisso das nações com a problemática.


Referências:

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