Artigo - A Ascensão do E-Commerce no Panorama Global
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 16 de jun.
- 14 min de leitura
Por: Amelie Nina, Bruna Portela e Flávia Rodrigues

Fonte: Érica Valério
Resumo do artigo
O comércio eletrônico transformou o cenário global, impulsionado pela internet e a demanda por conveniência. A logística eficiente é fator crucial para esse crescimento, o e-commerce redesenhou as cadeias de suprimentos, criando hubs estratégicos e impulsionando a descentralização. O cenário atual é composto por empresas de amplo poder no mercado digital que exercem influência geoeconômica, controlando a infraestrutura e influenciando normas, levando a disputas de hegemonia digital entre potências como China e Estados Unidos. Além disso, barreiras técnicas e fiscais dificultam a atuação de pequenas e médias empresas, concentrando o mercado em grandes plataformas. A inteligência artificial, a tributação digital e a "plataformização" são desafios previstos para o futuro, exigindo cooperação global para um e-commerce ético, inclusivo e sustentável.
1.Introdução
O comércio eletrônico, conhecido como e-commerce, é um modelo de negócios que opera exclusivamente em plataformas online, superando as limitações geográficas impostas por lojas físicas. A ascensão da internet, juntamente com a crescente demanda por conveniência e personalização, tem sido fundamental para o crescimento e a globalização do e-commerce.
Atualmente, a escolha de uma plataforma robusta para o comércio digital e o investimento na experiência do usuário são cruciais para a sustentabilidade e o sucesso de qualquer negócio nesse setor. O e-commerce facilita a entrada em mercados internacionais, beneficiando empresas de todos os tamanhos, desde pequenos empreendimentos até grandes corporações.
Uma forma amplamente reconhecida de viabilizar o comércio global e promover a interação entre países é o conceito de marketplace. Essa categoria de e-commerce emergiu como uma das principais maneiras de realizar negócios online, revolucionando a forma como consumidores e vendedores se conectam. Os marketplaces são plataformas digitais que atuam como intermediários, permitindo que diversos vendedores ofereçam produtos ou serviços a uma vasta gama de consumidores. Essa dinâmica não é limitada por barreiras geográficas, o que significa que um vendedor em um país pode facilmente alcançar clientes em outro, ampliando significativamente seu mercado potencial.
Uma das grandes vantagens dos marketplaces é a facilidade de transações internacionais. Muitas dessas plataformas oferecem funcionalidades que permitem a conversão de moedas diretamente dentro de seu ambiente digital, simplificando o processo de compra e venda entre diferentes partes do mundo. Isso não apenas torna as transações mais acessíveis, mas também promove uma experiência de compra mais fluida e segura para os consumidores.
Os exemplos de sucesso nesse modelo de negócios são variados, refletindo a diversidade de produtos e serviços disponíveis. Entre os marketplaces mais conhecidos, podemos destacar a Amazon, que se originou nos Estados Unidos e se tornou um gigante do varejo online, oferecendo uma vasta gama de produtos que vão desde eletrônicos até itens de moda. Outro exemplo notável é a Udemy, uma plataforma de cursos online que, embora tenha raízes na Turquia, alcançou uma audiência global, permitindo que instrutores de diferentes partes do mundo compartilhem seus conhecimentos e habilidades. Por fim, a Upwork, também proveniente dos Estados Unidos, se destaca como um marketplace de serviços, conectando freelancers de diversas partes do mundo a empresas que buscam talentos.
Esses exemplos ilustram não apenas a eficácia dos marketplaces como facilitadores do comércio global, mas também a capacidade de adaptação e inovação que essas plataformas trazem para o cenário econômico contemporâneo. Com a crescente digitalização e a evolução das tecnologias de pagamento, o papel dos marketplaces continua expandindo, promovendo a democratização do acesso a produtos e serviços em todo o mundo.
2. Os Impactos Econômicos do E-commerce
Estudos demonstram que o período pandêmico, compreendido entre os anos de 2020 e 2023, em razão da disseminação do vírus da Covid-19, provocou uma transformação significativa no cenário do comércio global, resultando em um crescimento acentuado do e-commerce.
No Brasil, o impacto foi notável. O comércio eletrônico experimentou um aumento impressionante de 68% na comparação entre os anos de 2019 e 2020. Durante esse período, foram registradas 301 milhões de compras pela internet, evidenciando a rápida adesão dos consumidores brasileiros às plataformas digitais. Esse crescimento não se limitou apenas ao volume de vendas, gerou também um efeito positivo no mercado de trabalho, com a marca de aproximadamente 20 mil novas vagas, refletindo a necessidade de profissionais capacitados para atender à demanda crescente por serviços online, principalmente em setores logísticos.
Nos Estados Unidos, o cenário foi igualmente promissor. Em 2022, o e-commerce atingiu a marca de US$1,03 trilhão, representando um crescimento de 21,9% desde o início da pandemia. Esse aumento foi impulsionado por uma mudança nos hábitos de consumo, com mais pessoas optando por compras online em vez de visitas a lojas físicas devido ao “lockdown”. Na China, o comércio eletrônico alcançou a marca de US$2,2 trilhões em 2023, consolidando o país como o maior mercado de e-commerce do mundo.
Esses dados não apenas ilustram a resiliência do e-commerce durante um período desafiador, mas também indicam uma mudança permanente nos hábitos de consumo em todo o mundo. À medida que mais consumidores se acostumaram com a conveniência das compras online, o crescimento do comércio eletrônico se tornou uma força motriz na economia global.
2.1 Investimento em Infraestrutura e Tecnologia
Com o advento do e-commerce, uma característica fundamental dos hábitos de consumo se tornou evidente: a rapidez e a eficiência na entrega são determinantes cruciais para a avaliação de um negócio. Um indicador alarmante dessa tendência é o fato de que, em 2023, o índice de abandono de carrinho atingiu impressionantes 70% globalmente. Esse fenômeno ocorre principalmente devido a fatores como frete elevado e prazos de entrega prolongados, que desestimulam os consumidores a concluir suas compras.
Diante desse cenário, especialistas em e-commerce ressaltam a logística como o verdadeiro "coração" do comércio eletrônico. A logística não se limita apenas ao transporte de produtos; ela abrange toda a cadeia de suprimentos, desde o armazenamento até a entrega final ao consumidor. Uma logística bem estruturada e eficiente não apenas melhora a experiência do cliente, mas também pode ser um diferencial competitivo significativo em um mercado cada vez mais saturado.
Empresas que investem em soluções logísticas inovadoras, como centros de distribuição estratégicos, parcerias com transportadoras ágeis e tecnologias de rastreamento em tempo real, conseguem atender às demandas dos consumidores de forma mais eficaz. Isso não apenas reduz o índice de abandono de carrinho, mas também aumenta a fidelização do cliente, uma vez que a experiência de compra se torna mais satisfatória.
Um exemplo notável que ilustra a importância da logística eficiente no e-commerce é a Amazon, que se destaca pela sua impressionante rapidez na entrega de produtos. Através de seu serviço de entrega Amazon Logistics, a empresa possui uma vasta rede de centros de distribuição estrategicamente localizados ao redor do mundo. Essa infraestrutura robusta permite que a Amazon atenda a uma demanda crescente de consumidores que buscam conveniência e agilidade nas compras online.
No Brasil, a empresa firmou parceria com a companhia aérea Azul, sendo esse tipo de colaboração fundamental para otimizar o transporte de mercadorias, garantindo que os produtos cheguem rapidamente aos clientes. Graças a essa estratégia, a Amazon consegue oferecer um prazo de entrega expresso que varia de 1 a 3 dias, dependendo da localização do consumidor e da disponibilidade do produto.
Essa eficiência na logística não apenas melhora a experiência do cliente, mas também solidifica a posição da Amazon como líder no mercado de e-commerce. A capacidade de entregar produtos de forma rápida e confiável é um dos principais fatores que atraem consumidores e os incentivam a escolher a corporação em detrimento de outras plataformas.
2.2 Formulação de Normas Jurídicas
Devido a barreiras linguísticas, culturais e diferenças jurídicas entre os países, ainda não existe uma norma global estabelecida que regule o comércio eletrônico internacional. No entanto, o tema do e-commerce é de extrema relevância para a Organização Mundial do Comércio (OMC), que tem promovido uma série de conferências para discutir esse assunto a nível global.
A OMC e seus países membros reconhecem que, para que essa modalidade de comércio prospere de maneira sustentável, é fundamental manter o foco no consumidor. Isso implica em abordar questões cruciais, como a proteção de dados de compra, a privacidade e a segurança cibernética. Na medida em que cada vez mais consumidores realizam transações online, a confiança nas plataformas de e-commerce se torna um fator determinante para o sucesso do setor. A proteção de dados pessoais e a garantia de que as informações dos consumidores estão seguras são essenciais para fomentar essa confiança.
Além disso, a inteligência artificial também está no centro dessas discussões. A instituição e seus membros também expressam preocupações sobre as implicações da IA no comércio eletrônico, incluindo questões relacionadas à automação, à personalização da experiência do consumidor e ao uso de algoritmos para tomada de decisões. Embora essa tecnologia tenha o potencial de otimizar operações e melhorar a experiência do cliente, também levanta questões éticas e de responsabilidade que precisam ser cuidadosamente analisadas.
A OMC busca, assim, estabelecer diretrizes que promovam um ambiente seguro e confiável para o e-commerce, reconhecendo a necessidade de uma abordagem colaborativa entre os países para enfrentar os desafios e aproveitar plenamente as oportunidades que essa nova era digital apresenta. A criação de um quadro regulatório que aborde as especificidades do comércio eletrônico, respeitando as particularidades de cada país, é um passo crucial para que o e-commerce continue a crescer de forma inclusiva e sustentável.
3. Redesenho Logístico e a Nova Geografia do Comércio Internacional
O avanço do e-commerce no comércio internacional não delimita apenas a modernização do consumo, mas também tem estimulado uma vasta reestruturação das cadeias globais de suprimentos (GSCs). Tipicamente, quando falamos em fluxos no comércio, lidamos com pontos previsíveis de produção e distribuição, com epicentros industriais estativos e fixos, limitados a grandes centros econômicos e industriais. Com o avanço das plataformas digitais, condicionado por uma entrega de demanda mais ágil e pelo facilitado acesso de poder de compra, as empresas transferiram esforços na realocação de centros logísticos e na adoção de estratégias como nearshoring (realocação de trabalho para empresas mais econômicas e geograficamente mais próximas) e friendshoring (escala de produção ou distribuição em empresas ou países aliados), a fim de criar uma rede vantajosa mais flexível, segmentada e geograficamente difusa para melhor fluidez comercial.
Além disso, o surgimento dos chamados hubs estratégicos internacionais - países escolhidos por grandes empresas de e-commerce para a instalação de centros industriais e de distribuição, com o objetivo de se aproximar dos consumidores finais, reduzindo custos logísticos e prazos de entrega - evidencia uma tendência de descentralização das rotas tradicionais. Como exemplo, a Alibaba, holding de seis grandes grupos empresariais chineses, responsável por 60% do volume de entrega em e-commerce na China e com grande influência do comércio aisiatico, mantém sua filial logística Cainiao. Esta possui armazéns de distribuição em mais de 20 países, com alvo na viabilização de entrega internacional em até 72 horas, um aspecto decisivo na escolha de compra de fornecedores e consumidores.
Esse novo retrato das cadeias logísticas, apesar de trazer benefícios à dinâmica comercial, tem implicações geopolíticas, principalmente pelo fator de dominância do comércio e amarras políticas. Tensões comerciais, como as entre China e EUA, impulsionam a migração da escala de produção de empresas para países intermediários, com a intenção de evitar barreiras tarifárias e ganhar liberdade regulatória e tributária.
Dessa forma, o e-commerce exerce um papel de força redistributiva e estratégica dentro do comércio global, transferindo os pontos de vantagem comparativa e requisitando que países se recoloquem na disputa por fluxos logísticos. Incentivada pelas rápidas transformações tecnológicas e pela fragmentação das cadeias produtivas, a nova globalização revela impactos abruptos e seletivos na ordem mundial. Nesse cenário, surge uma nova onda de desafios políticos e socioeconômicos tanto para as nações desenvolvidas quanto para as em desenvolvimento (BALDWIN, 2016).
4. O Comércio Eletrônico Como Vetor de Poder Geoeconômico
Observe-se que empresas gigantes como Amazon, Alibaba e Mercado Livre não somente administram o fluxo de mercadorias, mas dominam a infraestrutura digital crítica, como data centers, gateways de pagamento, algoritmos voltados ao ranqueamento, dados estruturados e meios de distribuição globalizados, componentes essenciais na estruturação do comércio eletrônico. Esse elemento tem tornado o e-commerce um campo fértil de disputa por poder geoeconômico, no qual as empresas deixam de desempenhar apenas o papel de intermediárias comerciais e assumem funções similares de agentes estatais, exportando não apenas bens e serviços, mas também padrões de consumo, normas técnicas e até paradigmas culturais, ganhando ainda mais influência.
O poder dessas empresas configura um gênero de “plataformização” da economia, onde a entrada nos mercados internacionais passa a sujeitar-se às regras determinadas por corporações privadas. Um análogo é o soft power econômico exercido pela Alibaba, por meio da plataforma AliExpress - com capitais em infraestrutura logística na Europa, essa estratégia chinesa retrata a busca pela consolidação do seu mercado no Ocidente. Já a Amazon, uma das principais empresas de tecnologia norte-americana, alocada em mais de 20 países, interfere diretamente em regulamentos locais, normas comerciais e nas políticas de concorrência, inclusive nas tensões regulatórias com a União Europeia e nos processos de regulação governamental (antitruste) nos Estados Unidos.
Na perspectiva geopolítica, o e-commerce está anexado a uma disputa entre potências por hegemonia digital, promovida principalmente pela China e pelos Estados Unidos. Dentre elas, destaca-se a Iniciativa do Cinturão e Rota Digital (Digital Silk Road), liderada pela China, que promove a expansão de plataformas chinesas por meio de infraestrutura digital financiada pelo Estado. Importa frisar que a ascensão dessas plataformas chinesas têm se tornado um símbolo de influência no mundo consumerista e comercial. Por outro lado, os Estados Unidos vêm fomentando intervenções regulatórias para frear a influência chinesa nos mercados digitais ocidentais, como a recente restrição ao TikTok e ao TikTok Shop. Essas plataformas - aplicativos chineses que conquistaram popularidade global - exercem crescente influência sobre o mercado e a massa de consumidores, intensificando a integração entre entretenimento, mídia e consumo, o que aumenta a competitividade no e-commerce.
Nesse sentido, ao olharmos a estratégia de expansão digital da China, vimos que o país busca não apenas ampliar sua presença global, mas também moldar uma nova ordem internacional baseada em fluxos de dados, finanças e comunicações centrados em sua influência geopolítica (HILLMAN, 2021). Assim, o comércio eletrônico preenche uma função central na redistribuição da influência econômica entre as nações, agindo como um dinamismo invisível de redefinição das naturezas de poder e soberania.
5. Barreiras Técnicas e Desigualdades
Ainda que sua natureza seja tecnicamente descentralizada, o comércio eletrônico também enfrenta obstáculos técnicos e normativos que prejudicam seu curso no âmbito internacional. A falta de um esquema padronizado entre países torna as operações cross-border mais complexas, as quais são uma estratégia que requer planejamento bem estruturado para analisar o grau de aceitação dos produtos, a padronização de todo o processo e as exigências e normas do país de destino. Isso afeta principalmente pequenas e médias empresas que visam atuar em múltiplos mercados.
Entre os principais obstáculos está a dupla tributação, que obriga as empresas a pagar impostos tanto no país de origem quanto no de destino, o que desestimula fluxos de investimentos e o comércio internacional, além de causar dificuldades na gestão tributária, impactando a viabilidade de negócios internacionais. Outrossim, o atual arcabouço jurídico que regula o comércio eletrônico apresenta limitações significativas, sobretudo nas transações transfronteiriças. Entre os desafios mais recorrentes estão a proteção da privacidade de dados, os direitos de propriedade intelectual, a execução de contratos internacionais e as disparidades entre legislações nacionais. Essas barreiras jurídicas dificultam o desenvolvimento seguro, integrado e equitativo do comércio eletrônico global (JAIN, 2024).
Nesse contexto, enquanto grandes plataformas são capazes de superar esses desafios ao operar com escritórios locais, performance tecnológica avançada e integração tributária, pequenos comerciantes dependem de intercessores, o que reduz sua competitividade. O principal efeito é um desequilíbrio estrutural, no qual o e-commerce internacional tramita em um campo oligopolizado, onde apenas potências influentes têm efetivo espaço de desenvolvimento e escolha de mercado.
Frente a esse cenário, instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC) têm promovido iniciativas para a constituição de normas convergentes, visando beneficiar o comércio eletrônico entre países. Aponta-se como um desses projetos a “Iniciativa Conjunta sobre Comércio Eletrônico”, atualmente em fase de negociação, que propõe adaptar padrões como assinatura digital, realocamento de dados, segurança cibernética e proteção ao consumidor internacional. No entanto, o lento avanço e os empecilhos políticos entre potências têm impossibilitado a consolidação de um sistema integrado, mantendo o comércio eletrônico como um campo de negociações separado e anacrônico, reprimindo seu desenvolvimento exponencial.
6.1 Inteligência Artificial e a Automação Como Pilares da Nova Economia Digital
O comércio eletrônico vem se reposicionando como uma das principais engrenagens da economia global contemporânea, com implicações diretas sobre cadeias produtivas, modelos industriais e fluxos logísticos. No centro desse novo cenário está a incorporação massiva da inteligência artificial (IA), que transforma radicalmente os modos de operar das plataformas digitais. Com o uso de algoritmos, sistemas de machine learning e big data, é possível prever comportamentos de compra, automatizar estoques, realizar atendimento personalizado e ajustar estratégias de precificação em tempo real. Esse avanço promove uma eficiência operacional sem precedentes, mas também aprofunda a dependência tecnológica e a centralização de dados.
Apesar dos ganhos, a intensificação da IA suscita desafios ético-regulatórios urgentes. A coleta e o tratamento de grandes volumes de dados pessoais tornam imperativa a criação de diretrizes comuns para garantir a proteção da privacidade, a não discrimação algorítmica e a transparência nos critérios de decisão automatizada. Sem um marco normativo internacional, a assimetria entre legislações nacionais dificulta a fluidez das transações transfronteiriças e compromete a confiança dos consumidores nos mercados digitais.
6.2 A Urgência de Uma Reforma Fiscal Digital
Outro tema central nas projeções futuras é a tributação do comércio eletrônico. O atual modelo de arrecadação, baseado na presença física das empresas, revela-se anacrônico diante de corporações que operam globalmente com sedes localizadas em paraísos fiscais ou jurisdições de baixa tributação. Essa desconexão entre a geração de receita e a obrigação tributária gera distorções no mercado, compromete a arrecadação pública e amplia desigualdades competitivas, sobretudo em países em desenvolvimento.
Frente a esse cenário, têm sido discutidas propostas para redistribuir parte dos lucros digitais com base na localização dos consumidores, bem como na criação de impostos específicos sobre serviços digitais. Embora tais iniciativas estejam em curso em fóruns multilaterais, sua implementação encontra entraves técnicos e políticos, especialmente diante da resistência de grandes potências tecnológicas. A falta de consenso enfraquece a capacidade dos Estados de equilibrar o ambiente concorrencial e reduzir práticas de elisão fiscal internacional.
6.3 Plataformização e Disputa Geopolítica Digital
O e-commerce também se converteu em instrumento estratégico nas disputas geoeconômicas do século XXI. Grandes plataformas digitais não apenas controlam cadeias logísticas e redes de dados, mas também passam a interferir em políticas públicas, normas técnicas e modelos de consumo nos países em que operam. Essa crescente influência cria uma arquitetura paralela de poder, em que empresas privadas exercem funções típicas de Estados, como regulação de fluxos comerciais, definição de padrões e monitoramento comportamental.
Tal cenário evidencia uma assimetria crítica: enquanto algumas economias impõem regras rígidas para atuação de empresas estrangeiras, outras utilizam suas plataformas digitais como instrumentos de expansão de influência global. A disputa entre diferentes modelos de regulação - como o modelo de vigilância centralizada adotado por países asiáticos versus os marcos regulatórios ocidentais - tende a moldar os contornos do comércio internacional nas próximas décadas. O e-commerce, nesse contexto, não é apenas um vetor de crescimento econômico, mas uma arena de disputa e soberania digital.
7. Considerações Finais: O E-commerce Como Fronteira da Nova Ordem Econômica Global
O comércio eletrônico consolidou-se como eixo estruturante da globalização contemporânea, impactando de forma profunda as formas de produzir, consumir, fiscalizar e regular. A análise de sua evolução recente e das produções futuras revela que não se trata de um fenômeno tecnológico, mas de uma transformação estrutural na maneira como o valor é gerado, distribuído e controlado no cenário internacional.
A incorporação da inteligência artificial, os desafios da tributação transfronteiriça e a emergência das plataformas como atores geoeconômicos transformam o e-commerce em uma engrenagem central da nova economia. Contudo, o avanço desse modelo exige pactuações normativas que garantem sua funcionalidade, transparência e equidade. Sem coordenação global, o comércio digital corre o risco de acentuar desigualdades entre Estados, marginalizar pequenas economias e favorecer um ambiente oligopolizado, concentrado nas mãos de poucos conglomerados.
Nesse sentido, o futuro do e-commerce dependerá da capacidade de integração entre inovação tecnológica, regulação eficaz e cooperação multilateral. O desafio não é apenas acelerar o progresso digital, mas assegurar que ele seja ético, inclusivo e sustentável. O comércio eletrônico, como símbolo da transformação econômica do século XXI, está em vias de se tornar terreno onde se decidirá o equilíbrio entre liberdade do mercado e justiça fiscal, entre automação e responsabilidade social, entre eficiência tecnológica e soberania nacional.
Bibliografia
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