Artigo - A Ascensão dos Carros Elétricos Chineses no Mercado Global
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 11 de jun.
- 6 min de leitura
Por: Diego Aguirre Brandão

Resumo
Nas últimas décadas, a China se destacou no setor automotivo ao investir fortemente em veículos elétricos, transformando-se na maior exportadora mundial. Essa liderança foi impulsionada por subsídios governamentais, busca por inovação e preocupações ambientais. Embora os VEs reduzam emissões e ofereçam benefícios econômicos a longo prazo, seu impacto ambiental ainda é debatido devido à extração de minérios e à matriz energética. A expansão global das montadoras chinesas enfrenta barreiras comerciais, mas estratégias como a instalação de fábricas no exterior vêm ganhando força. Ainda assim, a desaceleração econômica interna e a concorrência acirrada colocam em xeque a continuidade dessa liderança.
Introdução
Nas últimas duas décadas, a China protagonizou uma revolução silenciosa no setor automobilístico ao investir pesadamente no desenvolvimento de veículos elétricos (VEs). De coadjuvante na indústria automotiva global, o país tornou-se o maior exportador de veículos do mundo, impulsionando uma cadeia global robusta e altamente competitiva.
A rápida ascensão da indústria automobilística chinesa voltada à produção e ao desenvolvimento de veículos elétricos transformou o mercado global. A combinação entre a urgência por reduzir emissões de gases poluentes e o desejo da China de consolidar uma indústria automotiva mais competitiva levou o país a ocupar a liderança mundial em tecnologia e exportação de veículos elétricos.
Este artigo tem como objetivo compreender os principais fatores que permitiram à China se consolidar como a maior produtora e exportadora de veículos elétricos. Para isso, serão analisados o contexto político e histórico que motivou esse desenvolvimento, os impactos ambientais associados à produção e ao uso dos veículos elétricos, as implicações econômicas em nível doméstico e internacional, e os desafios enfrentados pelas montadoras chinesas em sua expansão global, sobretudo diante da crescente concorrência e das barreiras comerciais impostas por países ocidentais.
Motivações Políticas e Contexto Histórico
Nos anos 2000, a indústria automobilística chinesa se desenvolvia com foco na produção de veículos tradicionais movidos a combustível fóssil e através de parcerias internacionais (joint ventures). Porém, as autoridades e a própria indústria automobilística chinesa perceberam que teriam dificuldades de superar na inovação de motores a combustão, devido a potências consolidadas no mercado como Japão, EUA e Alemanha. A pesquisa de veículos híbridos, cujo motor a combustão é combinado com um ou mais motores elétricos, também já havia domínio e consolidação industrial por parte do Japão. Essa série de atores já consolidados no mercado global levou o governo chinês a romper com o modo produtivo tradicional e buscar um território completamente novo e até então inexplorado: carros movidos inteiramente a baterias.
Em 2001, o governo chinês tomou as primeiras medidas para investir em tecnologias relacionadas. O desenvolvimento de tecnologia de veículos elétricos foi inserido como um projeto prioritário de pesquisa científica contida no Plano Quinquenal da China, representando uma intenção estratégica inicial mas sem consequências práticas significativas. A partir de 2009, o governo chinês iniciou um plano intenso de subsídios voltados para fabricantes e consumidores finais. Esse estímulo inicial fornecido pelo governo possibilitou que as empresas continuassem investindo em tecnologia, aprimorando seus modelos e tornando os veículos elétricos mais acessíveis à população chinesa. De 2009 a 2022, é estipulado que o governo tenha investido aproximadamente US$29 bilhões em subsídios e incentivos fiscais, um financiamento estratégico muito mais intenso do que o realizado por qualquer outra potência até hoje.
Veículos elétricos são mesmo sustentáveis?
O nível de benefício ambiental dos veículos elétricos é uma pauta controversa e está longe de um consenso universal. É discutido e estudado o impacto ambiental causado na produção desses veículos, visto a necessidade de extração de matérias-primas como lítio, cobalto e níquel para a fabricação das baterias. Além dos desafios ambientais na fabricação, há também dificuldades ligadas ao carregamento dos veículos, visto que algumas fontes de energia utilizadas para recarregar os veículos elétricos são geradas por fontes de energia não renováveis, como gás natural e carvão, contribuindo indiretamente para a emissão de gases de efeito estufa.
Contudo, é entendido que, com o tempo, a economia de emissões compensa esse impacto inicial gerado pela extração das matérias primas. Um estudo feito pela revista Nature, cujo objetivo era examinar os impactos dos veículos elétricos na qualidade do ar, foi realizado nas cidades de Xangai, Pequim e Shenzhen. O estudo constatou que, nas áreas onde há mais viagens feitas por carros elétricos particulares, os níveis de poluição do ar diminuíram. No entanto, cidades como Pequim e Xangai, onde a geração de energia ainda é fundamentalmente baseada em carvão, o estudo constatou um aumento na poluição por dióxido de nitrogênio.
Ou seja, veículos elétricos podem sim ser uma ferramenta estratégica a ser utilizada por governos para auxiliar no processo de descarbonização do transporte urbano, mas sua eficácia está intrinsecamente ligada à matriz energética utilizada.
Efeitos Micro e Macroeconômicos
Como já mencionado neste artigo, os veículos elétricos, por utilizarem baterias, não emitem poluentes tóxicos como os óxidos de nitrogênio, frequentemente associados a doenças respiratórias e cardiovasculares. A parte mais vulnerável da população, composta por idosos e crianças, são os mais beneficiados com a transição para o modelo elétrico.
Embora o investimento inicial em um veículo elétrico seja mais elevado, os custos ao longo do tempo tendem a ser significativamente menores em comparação aos veículos a combustão. Estima-se que o custo por quilômetro rodado possa ser até sete vezes inferior ao dos modelos tradicionais, enquanto os gastos com manutenção chegam a ser cerca de 60% menores, devido à menor complexidade mecânica dos veículos elétricos.
Esses fatores influenciam diretamente a decisão do consumidor final pela aquisição de um modelo elétrico, em razão do maior custo-benefício a longo prazo. A economia gerada no uso cotidiano, decorrente da redução dos gastos operacionais e de manutenção, compensa o investimento inicial mais elevado.
A mudança para veículos elétricos contribui para o crescimento econômico ao estimular setores estratégicos, como o de tecnologia, energia limpa e infraestrutura. A demanda por soluções sustentáveis fomenta o desenvolvimento de inovações e amplia a oferta de empregos qualificados. Outro ponto relevante é o fortalecimento da autonomia energética nacional, já que a redução da dependência de combustíveis fósseis importados torna o país menos vulnerável a oscilações do mercado internacional.
Apesar da liderança em vendas e da crescente competitividade no mercado global, as montadoras chinesas enfrentam desafios relevantes para manter sua posição de destaque. O mercado interno, embora amplo, tem sido impactado por uma série de dificuldades econômicas — como a crise no setor imobiliário, o alto endividamento governamental e o aumento nas taxas de desemprego. Como consequência, as margens de lucro das fabricantes de veículos vêm diminuindo ao longo dos anos.
Diante desse cenário, muitas empresas passaram a direcionar esforços para a expansão internacional, onde os lucros tendem a ser mais atrativos. No entanto, a entrada em novos mercados não ocorre sem obstáculos: tarifas elevadas impostas pela União Europeia e, mais recentemente, pelos Estados Unidos, têm dificultado a competitividade dos veículos elétricos chineses nesses territórios.
Como alternativa, as montadoras têm concentrado seus investimentos em mercados emergentes da Ásia, Oriente Médio e África — regiões com regulamentações menos rígidas e concorrência menos intensa, oferecendo um ambiente mais propício à consolidação internacional.
Para contornar barreiras comerciais e se aproximar dos consumidores estrangeiros, as empresas vêm adotando uma estratégia de internacionalização por meio da construção de fábricas no exterior. A gigante BYD, por exemplo, já iniciou a produção de veículos na Tailândia e no Uzbequistão, e planeja expandir suas operações para países como Brasil, Hungria, Indonésia e Turquia. Fabricantes como Chery e Great Wall Motors seguem a mesma estratégia.
Essa abordagem permite maior proximidade com os mercados-alvo, facilita o atendimento às exigências locais, reduz custos logísticos e contorna tarifas de importação. A expectativa é que, até 2030, as montadoras chinesas produzam cerca de 2,5 milhões de veículos fora da China — metade na Europa e o restante em países em desenvolvimento.
A expansão global das montadoras chinesas têm gerado preocupação entre fabricantes tradicionais. Montadoras japonesas e sul-coreanas enfrentam forte concorrência na Ásia e no Oriente Médio, enquanto empresas como Volkswagen e General Motors veem sua presença na América do Sul cada vez mais ameaçada.
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