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Artigo - O impacto da pandemia de COVID-19 nas cadeias de suprimentos globais

Por:  Diego Aguirre, Antonella Chacar, Mateus Dias Viana 


Fonte: Shutterstock
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Resumo

O artigo analisa os impactos da pandemia da Covid-19 nas cadeias globais de suprimentos, destacando os desafios enfrentados pelas empresas diante da ruptura logística provocada por medidas emergenciais, como o lockdown. Após apresentar os fundamentos das cadeias de suprimentos e sua sensibilidade a crises, o texto aprofunda a discussão nas transformações pós-pandemia, especialmente o avanço do reshoring e a busca por maior autonomia produtiva. A análise de caso da cadeia farmacêutica revela como a Índia e a China, ao restringirem exportações para priorizar o abastecimento interno, desencadearam escassez global de medicamentos e insumos. Essa situação evidenciou a dependência excessiva de poucos polos produtores e motivou uma reavaliação estratégica por parte de diversos países. Por fim, conclui-se que a pandemia catalisou a necessidade de modelos logísticos mais resilientes, com foco na diversificação, gestão de riscos e soberania sanitária.


Introdução

Devido à necessidade de isolamento e ao fechamento de serviços considerados não-essenciais durante a pandemia da COVID-19, empresas de diversos tamanhos e segmentos foram afetadas. A falta de previsibilidade causada pela alteração do número de vendas, oscilações na demanda, extensão dos prazos de entrega e variações de estoque trouxeram desafios inéditos. Diante desse cenário, as gestões corporativas precisaram revisar suas estratégias logísticas e operacionais para manter a continuidade das cadeias de suprimentos, tanto no comércio doméstico quanto no internacional.

Este artigo tem como objetivo analisar de forma detalhada o impacto da pandemia da COVID-19 sobre as cadeias de suprimentos globais e os processos operacionais das empresas. Destrincharemos os fundamentos das cadeias de suprimentos e como uma simples interrupção pode romper seus elos. As reconfigurações globais decorrentes dos efeitos da pandemia também serão abordadas, considerando as adaptações que empresas precisaram realizar para se manterem ativas. Além disso, será analisada a forte dependência global de insumos farmacêuticos da Índia e da China, cuja decisão de reduzir o fornecimento ao mercado internacional, priorizando a demanda interna, resultou em escassez e atrasos no abastecimento de medicamentos em diversas regiões.


Fundamentos das Cadeias de Suprimentos

A cadeia de suprimentos, ou em inglês conhecida como ‘supply chain’, é um conjunto de operações que englobam todas as etapas de produção de uma empresa, isto é, aquisição de matéria-prima, produção, estocagem e distribuição. Para uma empresa que trabalha na produção e distribuição de bens ou serviços tenha êxito na sua cadeia de suprimentos, é fundamental garantir que todas as etapas estejam envolvidas e atuem de maneira conjunta e coordenada. Uma cadeia bem gerida traz inúmeras vantagens competitivas para o negócio, como a redução de custos operacionais, maior eficiência produtiva, transparência dos procedimentos e a satisfação do cliente junto com o fortalecimento da marca no mercado. 

Além desses elementos, a cadeia de suprimentos depende também de uma comunicação eficiente entre todos os setores envolvidos no processo. O fluxo de informações precisa ser contínuo e preciso, permitindo o monitoramento em tempo real de estoques, prazos de entrega e necessidades dos clientes. A tecnologia vem ganhando um papel cada vez mais relevante nesse contexto, com o uso de softwares de gestão integrada (ERP), inteligência de dados e automação de processos, que aumentam a previsibilidade e facilitam a tomada de decisões rápidas diante de eventuais imprevistos. 

Contudo, algumas cadeias de suprimentos mostram-se altamente sensíveis a crises. Sistemas de fornecimento complexos geralmente exigem elevado grau de conformidade, no qual pequenas alterações no cenário global podem desencadear dificuldades que comprometem toda a cadeia. Crises humanitárias, mudanças climáticas e instabilidades econômicas são fatores potencialmente disruptivos, que obrigam as empresas a se reinventarem e a desenvolverem soluções de curto prazo para restabelecer a estabilidade das suas operações logísticas.


Impacto da Pandemia

Em março de 2020, a Covid-19, provocada pelo vírus Sars-Cov-2, foi classificada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) devido à sua elevada taxa de contágio e rápida disseminação em escala global. Diante da incerteza sobre sua patogenicidade e da ausência de protocolos de enfrentamento consolidados, tornou-se necessário adotar medidas de contenção emergenciais. Entre as medidas adotadas para conter a propagação do vírus, destaca-se o lockdown, inicialmente planejado como uma ação temporária, mas que, diante do agravamento do cenário sanitário e da sobrecarga dos sistemas de saúde, foi sucessivamente prorrogado. Essa conjuntura gerou impactos econômicos e sociais de grande magnitude, com grandes efeitos sobre as cadeias globais.

O cenário combinou restrições à circulação de pessoas e mercadorias, paralisações em unidades produtivas e desafios logísticos, que comprometeram substancialmente o fornecimento de insumos nos mais diversos setores. Essa situação agravou-se em função da complexidade das cadeias produtivas, caracterizadas pela interdependência e dispersão geográfica. Enquanto a atividade econômica global apresentava  um ritmo de desaceleração, a demanda por produtos essenciais, como equipamentos de proteção individual e medicamentos, sofria um aumento significativo, mesmo diante das dificuldades distributivas. Por outro lado, setores classificados como não essenciais, como o setor tecnológico, registraram quedas acentuadas, refletindo mudanças nas prioridades produtivas e econômicas internacionais. 

Em síntese, a pandemia evidenciou as fragilidades das cadeias globalizadas, ressaltando a necessidade de modelos mais diversificados e resilientes, capazes de responder a choques sistêmicos. Os impactos vivenciados impulsionaram empresas e governos a revisitar estratégias de produção e abastecimento, estimulando discussões acerca da regionalização, autonomia produtiva e gestão de riscos em cadeias globais. Portanto, para diminuir os impactos, tornou-se crucial a adoção de um planejamento estratégico eficiente aliado a uma gestão integrada da cadeia de fornecedores. 


Reconfiguração Pós-Covid

Após três anos de pandemia, o cenário global passou por profundas transformações, especialmente na estruturação e gestão das cadeias globais de suprimentos. A Covid-19 evidenciou, de forma abrupta, a fragilidade dessas redes, que dependem fortemente de centros produtivos distantes e concentrados, sobretudo na Ásia, na qual comprometeu a capacidade logística e produtiva de setores estratégicos. Em razão disso, os modelos focados exclusivamente na otimização de custos passaram a ser repensados sob o entendimento de novos critérios, interligados a fatores que privilegiam maior autonomia produtiva, além de mecanismos voltados à diminuição de riscos.

Diante desse cenário, para mitigar tais impactos promovidos pelo vírus, tornou-se imprescindível que as empresas adotassem planejamentos eficientes aliados a uma gestão integrada da cadeia. Logo, as instituições que dispunham de estruturas flexíveis e planos de contingência, conseguiram adaptar-se com maior rapidez, minimizando os efeitos negativos. 

Além disso, a estratégia que visa à relocalização de atividades produtivas no país de origem ou em regiões próximas ao mercado consumidor, denominada “reshoring”, passou a ganhar visibilidade na conjuntura. Inicialmente vista como uma ação secundária no planejamento empresarial, essa estratégia transformou-se em resposta às perturbações causadas pelo vírus, principalmente em cadeias essenciais, como as de equipamentos médicos e insumos farmacêuticos. Tal reação se mostrou como uma estratégia além de emergencial, pois se consolidou como uma tática de longo prazo voltada ao fortalecimento da capacidade de resposta organizacional e ao reposicionamento competitivo das empresas diante de um ambiente instável. 

Entretanto, esse movimento ultrapassa as decisões corporativas, uma vez que muitos governos vêm implementando políticas públicas de reindustrialização seletiva, por meio de incentivos fiscais, subsídios e estímulos à inovação tecnológica. No entanto, a efetividade do reshoring depende de múltiplos fatores que exigem uma análise robusta, visto que a simples repatriação produtiva não assegura ganhos de competitividade. Em países como o Brasil, a escassez de fornecedores qualificados e a defasagem tecnológica, por exemplo, impõem desafios substanciais, que exigem a implementação de políticas industriais articuladas e aportes estratégicos em capacitação produtiva. 

Portanto, a crise sanitária mostrou lacunas no entendimento sobre decisões de localização produtiva, evidenciando a necessidade de modelos mais sólidos de gestão de riscos, uso estratégico de dados e a avaliação das interdependências globais, fundamentais para o funcionamento eficaz do comércio contemporâneo. Assim, estratégias como o reshoring e a integração entre políticas públicas e ações empresariais são fulcrais para fortalecer o sistema, sendo mais flexíveis e preparados para enfrentar futuros desafios.


Análise de Caso: A Quebra da Cadeia Farmacêutica e a Centralidade da Índia e da China

A crise sanitária da Covid-19 não apenas revelou a fragilidade das cadeias globais, como também escancarou a elevada dependência internacional de poucos polos produtores, especialmente no setor farmacêutico. Nesse cenário, Índia e China destacaram-se como atores centrais na produção e exportação de princípios ativos farmacêuticos (APIs), medicamentos genéricos e insumos médicos estratégicos. Em resposta à escalada da demanda interna e à necessidade de preservar seus sistemas de saúde, ambos os países optaram por medidas restritivas de exportação, provocando uma ruptura significativa no abastecimento mundial.

A China, considerada a “farmácia do mundo” no que tange à produção de insumos químicos, respondeu à pressão interna suspendendo ou limitando as exportações de APIs cruciais, como os utilizados na fabricação de antibióticos, antitérmicos e antivirais. O fechamento de fábricas em províncias industriais e os gargalos logísticos causados pelas medidas de contenção agravaram ainda mais a escassez global. Além disso, a interrupção de voos e o bloqueio de portos estratégicos comprometeram o transporte internacional, retardando entregas e elevando os custos operacionais.

Simultaneamente, a Índia, maior fabricante de medicamentos genéricos do mundo, adotou medidas similares. Em março de 2020, o governo indiano impôs uma suspensão temporária à exportação de 26 medicamentos e ingredientes ativos, incluindo paracetamol e antibióticos amplamente consumidos no combate aos sintomas da Covid-19. A medida, justificada pela preocupação com a segurança sanitária interna, foi interpretada internacionalmente como um alerta sobre a excessiva centralização produtiva do setor farmacêutico em poucos países. Essa decisão afetou diretamente mercados altamente dependentes, como o Brasil e diversas nações africanas, intensificando a percepção de vulnerabilidade e instabilidade sistêmica.

A quebra temporária na cadeia farmacêutica mundial evidenciou, portanto, a interdependência crítica entre países consumidores e centros produtores de medicamentos. Essa assimetria logística e produtiva gerou um efeito cascata nos sistemas de saúde globais, com escassez de medicamentos essenciais, atrasos em tratamentos clínicos e aumento dos preços. Muitos países passaram a revisar seus marcos regulatórios e a investir em políticas de incentivo à produção nacional, reavaliando o grau de exposição externa em setores estratégicos. A lição extraída dessa crise foi clara: a globalização, embora eficiente em tempos de estabilidade, apresenta riscos severos em momentos de disrupção.


Conclusão

Conforme proposto na introdução deste artigo, a pandemia da Covid-19 operou como um catalisador de rupturas nas cadeias globais de suprimentos, expondo fragilidades estruturais e redes de dependência excessivamente concentradas. A análise das cadeias farmacêuticas — com foco na redução das exportações pela Índia e China — demonstrou como a priorização de demandas internas em contextos de emergência pode provocar desequilíbrios globais de grande escala. A interrupção na disponibilidade de medicamentos e insumos hospitalares não só desestabilizou os sistemas de saúde de países importadores, como também lançou luz sobre a necessidade de políticas mais robustas de gestão de riscos, resiliência logística e autonomia estratégica.

As reações pós-crise, como o fortalecimento de políticas industriais, o estímulo à relocalização produtiva (reshoring) e o desenvolvimento de fornecedores regionais, apontam para um novo paradigma na organização das cadeias de suprimentos. Em lugar da pura eficiência de custo, emerge a busca por segurança, diversificação e capacidade de adaptação. Nesse novo cenário, cabe aos países — sobretudo aos periféricos — traçar estratégias que aliem inserção internacional com fortalecimento interno, garantindo sua soberania sanitária e econômica frente a futuras crises.

Assim, o caso da cadeia farmacêutica na pandemia é emblemático não apenas como uma falha pontual, mas como um chamado à reformulação de práticas logísticas, diplomáticas e comerciais em direção a uma globalização mais cautelosa, resiliente e equitativa.


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