Artigo - A Crise dos Semicondutores: entre soberania nacional, eficiência econômica e fragilidade estrutural
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 6 de jun.
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Por: Theo Mejia Lopes

Resumo
O artigo analisa a crise global dos semicondutores entre 2020 e 2023, destacando sua importância como base da tecnologia moderna e sustentação invisível da economia global. A escassez de chips, causada pela pandemia de COVID-19 e por disrupções localizadas, revelou a vulnerabilidade de cadeias produtivas altamente concentradas e internacionalmente interdependentes. Os impactos econômicos imediatos foram severos, com paralisações na indústria automotiva e de eletrônicos. Em resposta, países ocidentais do norte global adotaram políticas industriais voltadas à reindustrialização estratégica. A crise, então, abriu caminho para debates entre eficiência econômica e segurança estratégica, e para o questionamento do modelo atual, baseado em eficiência, multilateralismo e interdependência. Por fim, ressalta-se a importância da reflexão acerca do futuro das relações comerciais.
Introdução
O mundo globalizado, tecnológico e interdependente em que vivemos é sustentado por certos fatores essenciais indispensáveis para sua estabilidade. Um dos pilares mais importantes, e, ao mesmo tempo, mais invisíveis dessa sustentação é encontrado na produção e distribuição dos chamados semicondutores: componentes pequenos, mas fundamentais para a produção de diversos produtos, de smartphones a armamentos sofisticados. Uma possível interrupção nas cadeias desses componentes pode implicar em resultados catastróficos para a economia global.
Um exemplo disso se deu com a recente crise dos semicondutores, que se manifestou com uma forte intensidade entre os anos de 2020 e 2023. A escassez desses materiais resultante dessa crise interrompeu cadeias de produção inteiras, expôs desequilíbrios na economia mundial e provocou uma ampla resposta industrial e estratégica por parte de vários Estados do Sistema Internacional, especialmente as grandes potências.
Este artigo parte da análise dos fatores estruturais e conjunturais que explicam a recente crise dos semicondutores, evidenciando como o episódio revelou tensões latentes entre a busca por eficiência global e a necessidade de soberania nacional. Inicialmente, apresenta-se o que são os semicondutores e seu papel estratégico nas Relações Internacionais. Em seguida, discute-se porque a economia internacional foi profundamente impactada pela crise, considerando tanto causas recentes, como a pandemia, quanto fragilidades pré-existentes, como a estrutura assimétrica do comércio internacional. Abordam-se, ainda, as consequências comerciais do evento e suas implicações geopolíticas. Por fim, são discutidas as principais lições e reflexões que emergem do cenário pós-crise, seguidas das considerações finais.
O que são semicondutores?
Semicondutores são materiais, geralmente compostos de silício, que possuem propriedades elétricas intermediárias entre condutores e isolantes. Essa característica permite que eles desempenhem funções de controle de corrente elétrica em dispositivos eletrônicos, o que é imprescindível para seu funcionamento. Na prática, os semicondutores constituem a base da microeletrônica moderna — são os “cérebros” de computadores, celulares, carros, aviões, satélites, eletrodomésticos, equipamentos médicos e até mesmo armas de precisão. Seu funcionamento está diretamente relacionado à capacidade de miniaturizar circuitos integrados, os chamados microchips, que permitem a execução de bilhões de operações por segundo em equipamentos eletrônicos.
No contexto do comércio internacional, os semicondutores se inserem em uma cadeia de valor altamente fragmentada, na qual o design - concentrado em boa parte nos EUA - e a fabricação e montagem - Taiwan e Coreia do Sul principalmente, China também incluída - estão distribuídos de forma assimétrica. Segundo o site z2data, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) produz mais de 60 % dos chips de semicondutores do mundo, com a maior parte da produção ocorrendo dentro de Taiwan.
Essa estrutura, que age conforme o prospecto de eficiência, criou uma certa necessidade de manter relações entre as nações. Há um argumento a ser feito e corroborado: a interdependência, ao invés de reduzir a fragilidade do sistema diante de potenciais choques, aumentou essa vulnerabilidade, em troca da segurança. A busca por segurança, paradoxalmente, levou à construção de um arranjo estrutural mais vulnerável — em que a escassez de um único insumo crítico, como os semicondutores, é capaz de paralisar setores industriais inteiros e comprometer cadeias globais de valor.
Por que a economia internacional foi tão afetada pela crise?
Em vista disso, pode-se afirmar que a pandemia do COVID-19 foi a causa principal da escassez global de semicondutores. Isso se torna evidente ao apontarmos suas consequências significativas sobre as cadeias produtivas e a demanda por eletrônicos. No entanto, um aspecto menos evidente à primeira vista, mas que merece destaque, é que as causas dessa escassez vão além da crise sanitária global e, somadas a eventos como a seca histórica em Taiwan, podem desencadear uma crise ainda mais profunda na economia internacional.
Tal economia opera fundamentada em princípios de eficiência econômica - isto é, no contexto das cadeias globais de valor e da produção industrial, a capacidade de maximizar resultados com o menor uso possível de recursos, como tempo, capital, insumos ou trabalho. Isso implica em eliminar redundâncias, reduzir estoques e terceirizar etapas, por exemplo. Essas práticas visam a cortar custos e acelerar a produção, mas frequentemente sacrificam resiliência e flexibilidade diante de crises ou choques externos. Isso irá se corroborar com mais clareza ao longo do texto.
Para tal, o COVID-19 desencadeou uma série de ocorrências no comércio internacional. Uma vez em prática o lockdown e outras medidas de contenção da disseminação do vírus, ocorreu uma mudança abrupta na estrutura da demanda de todo o mundo por semicondutores. Nesse momento de avanço repentino do trabalho remoto, ensino a distância, entretenimento digital e comércio eletrônico, houve um crescimento exponencial na procura por dispositivos eletrônicos, servidores e infraestrutura de rede; isso pressionou toda a cadeia de fornecimento de chips, dependentes dos semicondutores.
No lado da oferta, a crise foi agravada por uma sucessão de disrupções que evidenciaram o nível da concentração geográfica e tecnológica da produção mundial desses componentes. Vista a inelasticidade da demanda (quando a demanda de um bem muda pouco mesmo com grandes variações no preço), e o fato de que a produção desses materiais é localizada em poucos países - o que se dá pelos altíssimos custos incorridos em investir nessa indústria -, eventos localizados tendem a gerar repercussões globais com facilidade. Nesse sentido, a imposição de medidas sanitárias rígidas necessárias em centros logísticos de insumos para a produção, ou a tempestade de inverno de 2021 no Texas, que suspendeu temporariamente parte das atividades produtivas da Samsung, demonstram a fragilidade já existente da oferta de semicondutores.
Consequências e implicações internacionais da crise
No curto prazo, os setores industriais com maior dependência de microchips foram os mais impactados. O setor automobilístico foi profundamente impactado, com carros permanecendo incompletos devido à falta de peças essenciais; além disso, a produção de smartphones e computadores também sofreu. Em todos esses casos, observou-se um conjunto de consequências, como o repasse do aumento dos custos de produção ao consumidor, paralisações de linhas de montagem, demissões temporárias, entre outras. Um exemplo emblemático foi o expressivo aumento no preço das placas de vídeo para computadores, observado durante e nos anos subsequentes à crise.
Esses efeitos imediatos revelaram com clareza a rigidez da cadeia global de valor. Setores altamente interconectados e dependentes de poucos fornecedores se mostraram incapazes de reagir com flexibilidade e empresas que antes operavam com estoques mínimos, priorizando a eficiência e a redução de custos, passaram a perceber os riscos estruturais de sua dependência.
A longo prazo, a crise dos semicondutores provocou um movimento sem precedentes de reconfiguração industrial, liderado no ocidente por Estados Unidos e União Europeia. Para tal, os Estados Unidos aprovaram o CHIPS and Science Act (2022), investindo dezenas de bilhões de dólares em incentivos para produção doméstica e pesquisa; a União Europeia, por sua vez, lançou seu Chips Act em 2023 com o objetivo de aumentar drasticamente sua produção até 2030.
As medidas adotadas por ambos os blocos visam não apenas reduzir a dependência de países asiáticos como Taiwan e Coreia do Sul, mas também estimular a inovação tecnológica, reforçar cadeias de suprimentos locais e proteger setores estratégicos diante de futuras instabilidades geopolíticas. Essas estratégias refletem uma mudança paradigmática, onde a produção doméstica de semicondutores, mesmo que mais cara no curto prazo, é vista como um investimento em segurança econômica e estabilidade futura.
Reflexões após o fim da crise
Por esse viés, é perceptível que, por trás dessas políticas, os chips, e assim, os semicondutores, podem estar passando por um processo de ressignificação em termos de importância. É possível que, dentro dessa perspectiva, esses materiais tenham cada vez mais significado não só em termos de preço, mas em termos de poder e autonomia. Isso é especialmente importante para países que se encontram em posições vulneráveis em meio a esses choques, como o Brasil.
Atualmente, a crise já aparenta ter sido solucionada, e o comércio internacional se demonstra normalizado, ainda que com certas limitações. Dessa forma, surgem reflexões e questionamentos importantes, que podem contribuir para o aprendizado diante do ocorrido e para a prevenção de futuras repercussões no Sistema Internacional. A crise, nesse sentido, expôs tensões políticas e econômicas relevantes, abalando pilares previamente estabelecidos do sistema.
O caso brasileiro ilustra um dilema recorrente, reacendido pela recente crise: a tensão entre a busca por eficiência imediata e a necessidade de investir em setores de base tecnológica estratégica. Embora a eficiência proporcione vantagens significativas no curto prazo, ela nem sempre é capaz de compensar os custos da vulnerabilidade estrutural do país diante da ausência de alternativas nacionais em áreas críticas, como a dos semicondutores.
Ademais, aponta-se o fato que investir em semicondutores se torna, atualmente, uma escolha extremamente baseada na economia, mas também na política. Essa realização pode fazer com que o multilateralismo e a lógica do foco na eficiência vigentes sofram, formando assim mais um fator contribuinte para o desgaste do modelo que vivemos. Cabe a cada país tomar a decisão fundamental de por onde seguir, tendo em mente os ensinamentos dessa crise.
Considerações finais
Por fim, é possível afirmar que o modelo que resultou nessa crise demanda uma revisão crítica. Essa mudança tende a ocorrer, ainda que de forma gradual, como resultado das respostas adotadas por diversos Estados. Mais do que respostas pontuais, essas políticas podem sinalizar o início de uma transição mais ampla, em que critérios como soberania tecnológica e segurança nacional passem a pesar mais nas decisões de alocação produtiva.
Seja do ponto de vista da crise como um alerta ou do ponto de vista da mesma como uma exceção, está claro que a eficiência nem sempre nos protege contra a fragilidade estrutural, visto que sistemas extremamente eficientes tendem a eliminar redundâncias e estoques de segurança, tornando-se vulneráveis a qualquer disrupção. A centralização da produção em poucas regiões, motivada por custos mais baixos, maximiza ganhos em tempos de estabilidade, mas expõe toda a cadeia a riscos globais em momentos de crise. Assim, a busca por eficiência, contribuiu diretamente para a escassez e seus impactos.
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