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Artigo - A Enxaqueca da Gigante Europeia: Impactos da Guerra na Ucrânia na Economia Alemã

Por: Fernanda Azambuja

Fonte: Shutterstock


Este artigo tem como objetivo evidenciar os impactos que o conflito entre Rússia e Ucrânia causam tanto no contexto político quanto econômico nos países ao redor do mundo, enfatizando principalmente os efeitos que atingem a economia alemã, considerada há décadas como a “Gigante Europeia”. Em um primeiro momento, para que seja possível entender os impactos mais à fundo, faz-se necessário uma breve apresentação da extensa linha do tempo das tensões entre os dois países do Leste Europeu. Este período se estende no contexto internacional há uma década, configurando novas medidas econômicas, sociais e políticas na Europa. Após a contextualização da guerra, será evidenciado no artigo quais foram as respostas adotadas pelos países, organizações e blocos ao redor do mundo, destacando a participação alemã nesse movimento. Em um terceiro momento, será apresentada a economia da Alemanha e como os respingos da guerra na região do mar negro, vêm se tornando com o passar do tempo, gotas espessas capazes de deixar a Gigante submersa em um período de recessão.


A GUERRA RUSSO-UCRANIANA

Apesar de ter vivido o seu ápice em 2022, o conflito entre Rússia e Ucrânia é traçado há quase uma década antes do seu “boom” mais recente no cenário internacional. A revolução ucraniana (2013), movimento que ocorreu em resposta ao rompimento de laços da Ucrânia com a União Europeia e à aproximação do país com o governo russo, resultou na deposição do então presidente ucraniano Viktor Yanukovych em fevereiro de 2014. Esse cenário de instabilidade política possibilitou o crescimento do sentimento de descontentamento e provocou o início da crise no território da Crimeia, região fortemente ligada à Rússia por laços históricos e culturais. Brevemente após a deposição presidencial, o parlamento da Crimeia aprova sua desvinculação do governo ucraniano e também sua adesão à Rússia. 

Os meses que precedem a anexação da Crimeia à Federação Russa, contaram com um  “plano de invasão secreto”arquitetado pelo governo russo, no qual milhares de tropas foram enviadas discretamente para a base militar russa existente na Crimeia. Esse aumento de tropas russas no território foi justificado pela necessidade de proteção aos cidadão russos, que na época constituíam cerca de 60% da população. Após essas movimentações, em março de 2014, o Kremlin oficializa a anexação do território, dando o pontapé para uma década de novas tensões entre os países.

A resposta internacional à anexação da Crimeia, ocorreu não somente no campo diplomático, permeando também as áreas político-econômica e sociais. Além do não-reconhecimento da nova configuração territorial russa por parte da comunidade internacional, países como Estados Unidos e integrantes da União Europeia aplicaram um extenso e potente pacote de sanções à modo de expressar o descontentamento não só com a anexação, mas também com o desrespeito russo para com a soberania ucraniana.

O novo ápice desse conflito recorrente é datado em fevereiro de 2022, quando tropas militares, sob o comando de Putin, começam sua marcha de invasão em direção à Kiev, capital ucraniana. Especialistas dentro do campo de geopolítica internacional afirmam que essa movimentação russa, é uma resposta ao avanço progressivo da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) no Leste Europeu. Nos meses que precedem a invasão, as movimentações de tropas russas na fronteira ucraniana foram uma tentativa de bloquear a entrada da Ucrânia no bloco militar. De acordo com o Vice-Ministro das Relações Exteriores russo, é obrigatório, para a Rússia, evitar que a Ucrânia ingresse na OTAN. As tensões se agravaram no final de janeiro de 2022, quando o Secretário de Estado dos EUA negou a demanda russa de barrar a Ucrânia de ingressar no bloco. 


RESPOSTA INTERNACIONAL E A ALEMANHA

Desde o início do conflito, em 2014, sanções e embargos vêm sendo aplicados à Rússia por diversos países, entre eles a Alemanha. As commodities russas, como petróleo e gás natural, foram um dos principais alvos destas medidas econômicas. É importante frisar que até 2022, a Rússia era a maior exportadora de gás natural e petróleo para os países europeus, com índicesde exportação chegando a 45%  de ambas commodities para países da Europa. E a Alemanha, que por muitos anos se beneficiou da exportação barata do gás natural russo, sendo o principal destino de importação no continente, mediante as sanções, se viu em uma posição conflituosa de interesses. 

Durante o ano de 2022, em resposta à guerra, autoridades alemãs adotaram medidas que dão início a uma nova era no país chamada de “Zeitenwende”, do alemão “Ponto de Virada”. Tais medidas variam desde a eliminação de legislações acerca das exportações de armas, aumento no orçamento destinado à segurança e o fim das importações oriundas da Rússia. No entanto, o corte das importações é um tópico mais sensível para a Alemanha, quando comparado a outros países da UE. Devido a enorme dependência alemã quanto a importação do gás natural russo, a adesão da Gigante Europeia aos embargos e sanções, propostas pelo bloco, aconteceu de forma gradual. Em maio de 2022, a Ministra de Defesa alemã afirmou que no momento não era possível o bloqueio total das importações dos commodities russos, mas que o país estava empenhado para buscar uma solução e outras alternativas visando, também, diminuir a dependência alemã. Apesar da ampla adesão aos embargos, autoridades alemãs alertaram sobre as possíveis consequências desse corte a longo prazo.


IMPACTOS E A ECONOMIA ALEMÃ

A economia alemã atualmente é conhecida mundialmente por seu caráter inovador, robusto e principalmente voltado para a exportação. Com um setor industrial extremamente forte e consolidado, o país ocupa as primeiras posições de nações exportadoras juntamente aos Estados Unidos e China. No entanto, apesar de sua solidez econômica estrutural, a forte dependência da potência alemã de commodities russas e ucranianas, em conjunto com as sanções econômicas impostas ao Kremlin, os impactos da guerra nas cadeias de suprimento e o aumento dos índices inflacionários causadas pela Guerra na Ucrânia tornaram-se motivo de “dor de cabeça” para a nação alemã. 

Como anteriormente mencionado no artigo, a fatia de commodities russos, como gás natural e petróleo, sempre evidenciou expressivamente a dependência alemã das exportações da Rússia. Com o corte dessas importações, os danos significativos foram sentidos pelo setor energético alemão, proveniente quase que inteiramente desses bens estrangeiros, ndice de 60% das importações de GNL na Alemanha, são de origem russa. No mês de maio de 2022, o setor energético registrou um aumento de 38,3% no preço da energia, quando comparado ao ano anterior. 

A vulnerabilidade alemã às cadeias globais foram expostas nos meses que sucederam a invasão na Ucrânia. Por serem um dos maiores produtores e exportadores de trigo e cevada, entre outros commodities, o conflito entre os dois países do Leste Europeu afetou a cadeia de suprimentos, principalmente para seus vizinhos continentais. O elo final para essa corrente de eventos se fechou bem na frente dos consumidores alemães, em maio de 2022, já era possível perceber um aumento de 11,1% no preço dos alimentos em todo território nacional e a inflação anual registrou taxas elevadas, superando em 8,7% os índices do ano anterior.

Em 2023, ainda era possível perceber como a “dor de cabeça alemã” persistia e parecia se tornar uma “enxaqueca”. O economista alemão Marcel Fratzscher que projetava um crescimento anual de 4,5% para a economia alemã, apontou que o conflito poderia custar até 3 pontos percentuais de sua projeção, caindo para 1,5% de crescimento ao ano. O Conselho Europeu, realizou em setembro uma projeção na qual mostrava que a Alemanha seria a única das grandes economias do bloco a retrair, mostrando uma recessão econômica de 0,4% ao ano. Os fatores contribuintes para tal cenário, apontados pelo órgão da União Europeia, são o disparo dos preços energéticos e a queda de demanda de importação chinesa, impactando tanto a produção industrial quanto o consumo interno alemão.

As projeções para a Gigante Europeia no ano de 2024 seguem o mesmo caminho de seus antecedentes, crescimento econômico baixo (PIB 0,2%) e aumento nos índices de desemprego e inflação. O chanceler alemão, Olaf Scholz, durante um discurso na Câmara de Comércio e Indústria da Alemanha, lamentou o baixo índice do PIB anual esperado para o país e afirmou que é necessário que o livre comércio seja assegurado, para superar esse momento de desafios na economia nacional.


CONCLUSÃO

Em suma, o objetivo do artigo é destacar os impactos significativos da Guerra na Ucrânia na economia alemã, reconhecida por sua solidez e importância na Europa. Embora não seja a única razão, as consequências desse conflito têm desempenhado um papel crucial no período de recessão econômica enfrentado pela Alemanha nos últimos dois anos. A dependência alemã de commodities russas e ucranianas, somada às sanções econômicas e aos distúrbios nas cadeias de suprimentos, tem sido um desafio para a Gigante Europeia, afetando sua estabilidade e crescimento. A resposta gradual da Alemanha às medidas de embargo e a busca por alternativas visam mitigar os impactos negativos desse cenário complexo, enquanto efeitos econômicos negativos persistem diante dos desdobramentos da guerra na região do Mar Negro.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


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