Artigo - A Transformação Econômica da China e Seus Impactos Globais no século XXI
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 16 de nov. de 2024
- 7 min de leitura
Por: Anna Clara Arruda Cuello

Fonte: Ilustração criada por inteligência artificial (Foto: Dall-e)
INTRODUÇÃO
Para um cidadão chinês comum em 1940, a notícia de que a China se tornaria a segunda maior superpotência mundial poderia parecer irreal. O país possuiu, por séculos,um pequeno Produto Interno Bruto (PIB), possuía poucas relações diplomáticas com outros países e, por consequência, dependia do que produzia internamente. Atualmente, o símbolo "Made in China", presente em seus produtos, chega em nações distantes territorialmente de onde foi produzido, e consolidou a nação como um dos principais protagonistas do comércio internacional atual. Hoje, o seu PIB está apenas abaixo daquele dos Estados Unidos, chegando a USD 17,96 trilhões em 2023, segundo o Banco Mundial.
CONTEXTO HISTÓRICO
Antes de se tornar a República Popular da China, o país passava pela Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), que dividiu seu territorio em três partes: uma nacionalista, uma comunista e outra ocupada pelos japoneses. Após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, houve uma guerra civil contra sua ocupação em território chinês, que terminou com a vitória dos comunistas sob a liderança de Mao Tsé-Tung. Em 1949, o líder tentou modernizar rapidamente a economia camponesa da China, porém, em um período de menos de três anos, milhares de chineses morreram por insegurança alimentar, devido à distribuição ineficiente dos recursos produzidos. Entretanto, Deng Xiaoping, ao ocupar o poder, se mostrou um líder comunista essencial para o milagre econômico que estaria por vir, diminuindo algumas das problemáticas sociais, como a fome. Dentre suas iniciativas, a política de Reforma e Abertura conseguiu tirar 740 milhões de pessoas da pobreza, bem como implementou uma série de reformas econômicas, modernizou a indústria e promoveu a abertura da China para o comércio exterior - medida essencial para a reformulação do país. Nesse sentido, a criação de zonas econômicas especiais, como a cidade de Shenzhen, hoje conhecida como o Vale do Silício chinês, também influenciaram a sua economia. Posteriormente, ao entrar na OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2001, o ingresso do país abre definitivamente as portas para a globalização.
Em outros termos, Deng Xiaoping, de 1978 a 1992, implementou mudanças que desencadearam em uma economia de caráter capitalista, porém não abriram mão da centralização política que marcava o comunismo chinês. Como resultado, os fluxos globais de investimento passaram a se voltar para a China, devido ao seu mercado de mão de obra barata e baixos custos produtivos. Dessa forma, houve um forte período de urbanização durante seu governo, em que a China cresceu rapidamente no âmbito demográfico, se tornando um dos países mais populosos do mundo.
RELAÇÃO COM OUTRAS NAÇÕES
Desde o início do século XXI, a China investiu em diversos projetos em países africanos, como Angola e Quênia, realizando construções de malhas ferroviárias que facilitam o escoamento das matérias primas que sua indústria necessita. A partir disso, o volume do comércio China-África aumentou mais de vinte vezes, com uma taxa média de crescimento anual de 17,7%, levando à China se tornar o maior parceiro comercial do continente por quinze anos consecutivos, como aponta o Fórum de Cooperação China-África, que promove a cooperação entre elas. No ano de 2020, havia mais de 3.800 empresas chinesas na África, com grandes estoques de investimento, o que ajudou o continente africano a elevar seu nível de industrialização e capacidade exportadora, além de aumentar os índices de emprego local. Essa afinidade, entretanto, não é exatamente forte entre a grande potência asiática e a União Europeia, que, desde o ano passado, passam por uma série de tensões comerciais. Nesse contexto, em julho de 2024, a China iniciou investigações contra práticas comerciais da UE consideradas desleais, após a Comissão Europeia ter realizado uma série de procedimentos contra o país asiático nos últimos meses. O bloco impôs tarifas adicionais de até 45% sobre importações de carros elétricos chineses, o que pode se tornar definitivo em novembro deste ano, como apontou o site “CNN Brasil” em setembro de 2024. Caso as tarifas sejam impostas definitivamente, esses veículos ficariam mais caros para os consumidores europeus, gerando queda na exportação e perda de competitividade no preço de seus automóveis.
A grande potência asiática conseguiu também exercer influência na América Latina, território tradicionalmente impactado no âmbito econômico, político e cultural pela Europa e pelos Estados Unidos. Devido ao recorde histórico de troca de mercadorias - cerca de 480 bilhões de dólares -, a China se tornou o segundo maior parceiro comercial da América Latina em 2023, ultrapassando a União Europeia. Segundo a CEPAL, a maior parte das exportações latino-americanas para o país gira em torno de soja, cobre, minérios de ferro, petróleo, cátodo de cobre e carne bovina. Diante disso, a boa relação comercial entre Brasil e China perdura há muitos anos, sendo iniciada na década de 1970, e se tornou extremamente significativa nos anos 2000, a partir da entrada do país asiático na OMC. Em 2009, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil, e uma das principais fontes de investimento externo do país. Além do mais, uma soma de 15 acordos comerciais bilaterais, avaliados em cerca de 10 bilhões de dólares, foram assinados em 2023 por ambos durante a visita oficial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, como aponta a CNN Brasil.
Ademais, apesar de benefícios econômicos derivados do intenso fluxo comercial entre China e Estados Unidos, desde o final do século XX, as duas potências possuem uma rivalidade crescente, e a guerra comercial iniciada em 2018 vem causando preocupações em todo o mundo. O protecionismo do ex-presidente americano Donald Trump foi um dos fatores principais para o início dessa disputa comercial, ao implementar tarifas altas sobre produtos chineses. Mesmo que tentativas de acordos, ameaças e tensões geopolíticas tenham acontecido, soluções definitivas ainda não foram encontradas para diminuir os constantes desentendimentos entre os dois países. Nesse contexto de acirramento de rivalidades, em 2023, houve uma reunião entre o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Chefe de Estado Chinês, Xi Jinping, em que o último proferiu um discurso de caráter amigável: “A relação (China-EUA) deve se desenvolver de maneira que beneficie nossos dois povos e cumpra nossa responsabilidade pelo progresso humano”, segundo o site G1. A guerra comercial não afetou somente os dois países diretamente envolvidos, mas também teve repercussões amplas na economia global e na política internacional. Nesse ínterim, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial foram algumas das organizações que alertaram sobre o desaceleramento do crescimento econômico global, uma vez que as cadeias de suprimentos globais foram interrompidas. Sendo assim, uma rivalidade entre dois países tão relevantes para o comércio internacional gera impactos a longo prazo para o cenário global, e, por essa razão, o encontro essencial entre os dois presidentes, buscando prevalecer seus interesses em comum, foi um grande passo para a resolução de suas discordâncias.
IMPACTOS SOCIAIS
Por último, a grande ascensão da China como potência também esconde uma realidade social repleta de exploração e trabalhos análogos à escravidão. Em janeiro de 2024, surgiram relatos de norte-coreanos, trabalhadores em fábricas chinesas, indignados ao receberem a informação de que não receberam seus salários, pois o dinheiro havia sido desviado para produção de armas. O reconhecimento do abuso vivido por trabalhadores na China, apesar de ser, aos poucos, exposto para a mídia nos últimos anos, o relator especial da ONU, Tomoya Obokata, afirmou, em 2022, ser "razoável concluir" que há trabalho forçado na cidade de Xinjiang, como noticia a CNN Brasil. Após alguns grupos étnicos minoritários, como uigures e cazaques, terem chamado a atenção pelas condições escassas de trabalho, foi relatado que os indicadores de trabalho forçado, que estiveram presentes em muitos casos, apontam para a natureza involuntária do trabalho prestado pelas comunidades afetadas. Esse tópico também gera preocupações relacionadas à necessidade de expor a escravidão contemporânea em outros países, como Coreia do Norte, Eritreia e Mauritânea, ocupando liderança em ranking mundial, de acordo com o Global Slavery Index, e demais nações onde a mão de obra extremamente barata e as condições de trabalho são precárias.
CONCLUSÃO
Em conclusão, as relações comerciais da China são diversas, envolvendo também o Oriente Médio e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). O território chinês é extremamente promissor para o século XXI, porque, em somente duas décadas, conseguiu construir um império comercial e tem se voltado cada vez mais para inovação. Todavia, o crescimento rápido e exponencial de um país gera problemas a serem solucionados, como desigualdade social e rivalidades entre outros Estados relevantes ao comércio internacional. Logo, a China precisa lidar com a pressão internacional e resolução de conflitos, priorizando a transparência e justiça, principalmente no contexto da crescente disputa comercial com os Estados Unidos e as preocupações com os direitos humanos. Sendo assim, o futuro do país e do povo chinês dependerá de sua capacidade de equilibrar o progresso econômico com a resolução desses desafios internos e externos. Caso consigam lidar com esses obstáculos, a China cumprirá as expectativas de diversos analistas comerciais que acreditam na possibilidade do século XXI ser a “Era das Potências Emergentes”.
BIBLIOGRAFIA
BERMUDEZ, Ángel. Como o Brasil foi chave para América Latina bater recorde de exportação para China em 2023. BBC, 28 abril, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c72pdx8yrrpo. Acesso em: 2 out, 2024.
CACULO, Paulo. China, um parceiro importante para a África. 2023. PORTUGUESE, 22 agosto, 2023. Disponível em: https://portuguese.cri.cn/2023/08/22/ARTI5st5l1G4NwUsjJZKe0bd230822.shtml#:~:text=A%20China%20tem%20sido%20o,atingiu%20180%20bili%C3%B5es%20de%20d%C3%B3lares. Acesso em: 3 out, 2024.
CHINA COMEÇA INVESTIGAÇÃO CONTRA PRÁTICAS COMERCIAIS DA UE CONSIDERADAS DESLEAIS. CARTA CAPITAL, 10 julho, 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/mundo/china-inicia-investigacao-contra-praticas-comerciais-da-ue-consideradas-desleais/. Acesso em: 4 out, 2024.
MACKENZIE, Jean. Norte-Coreanos enviados à China para trabalho ‘escravo’ em fábricas. BBC, 9 fevereiro, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd1vz0me27ro. Acesso em: 3 out, 2024.
MARCELINO, Fernando. O socialismo peculiar de Deng Xiaoping. 2023. Outras Palavras, 9 maio, 2023. Disponível em: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/o-socialismo-peculiar-de-deng-xiaoping/. Acesso em: 2 out, 2024.
LULA E XI ASSINAM 15 ACORDOS DE BRASIL E CHINA. CNN, 14 abril, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/lula-e-xi-assinam-15-acordos-envolvendo-governos-de-brasil-e-china-veja-a-lista/. Acesso em: 4 out, 2024.
QUIN POLLARD, Martin. “ONU considera ‘razoável concluir’ que houve trabalho forçado em Xinjiang”. CNN BRASIL, 18 de agosto, 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/onu-considera-razoavel-concluir-que-houve-trabalho-forcado-em-xinjiang/#:~:text=%C3%89%20%E2%80%9Crazo%C3%A1vel%20concluir%E2%80%9D%20que%20o,uma%20resposta%20feroz%20de%20Pequim. Acesso em: 4 out, 2024.
POR QUE O SÉCULO 21 É O “SÉCULO DA CHINA”. BBC, 1 de outubro, 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cd0zd1kg9l3o. Acesso em: 4 out, 2024.
TREVIZAN, Karina. Guerra comercial: Entenda a piora das tensões entre China e EUA e as incertezas para a economia mundial. G1, 16 agosto, 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/16/guerra-comercial-entenda-a-piora-das-tensoes-entre-china-e-eua-e-as-incertezas-para-a-economia-mundial.ghtml?utm_source=share-universal&utm_medium=share-bar-app&utm_campaign=materias. Acesso em: 2 out,2024.
TOH, Michelle. Encontro em um ano. Como aproximação de EUA e China pode mexer com economia global. CNN BRASIL, 15 novembro, 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/1o-encontro-em-um-ano-como-aproximacao-de-eua-e-china-pode-mexer-com-economia-global/#:~:text=O%20com%C3%A9rcio%20de%20mercadorias%20atingiu,Asi%C3%A1tico%20e%20da%20Uni%C3%A3o%20Europeia. Acesso em: 2 out,2024.
Comments