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Artigo - As relações econômicas entre Brasil e Índia: o BRICS e para além dele

Por: Luciana Crivellari


Fonte: Mateus Campos Felipe/Naveed Ahmed


INTRODUÇÃO

Esse artigo tem como objetivo mostrar a constante evolução das relações econômicas indo-brasileiras, apesar das diferenças culturais e da distância geográfica. Sobretudo após o final da Guerra Fria, os dois países começaram a compartilhar diversos interesses para encontrar características em comum, que os elevam a um papel de liderança em suas próprias regiões e priorizam seus potenciais crescimentos econômicos.

Assim como a Coréia do Sul, México, Argentina, África do Sul, Polônia, Turquia, Indonésia e a área econômica da China, o Brasil e a Índia também são considerados “Big emerging markets”, ou seja, o termo “grandes  países periféricos” dado pelo Samuel Pinheiro Guimarães (GUIMARÃES, 1998). Estes países seriam “países não-desenvolvidos, de grande população e de grande território contínuo, não-inóspito, razoavelmente passível de exploração econômica”. Tais nações se diferem das demais, pois possuem mais potencial de promover maior acumulação de capital, desenvolvendo suas tecnologias e sua capacidade militar, e, desse modo, diminuindo suas vulnerabilidades. 

Portanto, com o pós-Guerra Fria, a liberalização econômica e a unipolaridade do sistema Internacional, houve a criação de muitos projetos conjuntos entre Brasil e Índia, construindo uma parceria com grande potencial e duradoura. Desde 1996, ambos os países buscam uma maior aproximação e projetos comuns que se relacionem, especialmente, com seus fluxos comerciais. 


O COMÉRCIO INTERNACIONAL DO BRASIL

Para uma melhor análise da relação econômica indo-brasileira, é necessário compreendermos as relações econômicas gerais de cada um dos dois países. Pelo fato de o Brasil ter sido, por muito tempo, colonizado, sua economia esteve voltada para o exterior desde o início, quando era responsável por fornecer diversas matérias-primas para Portugal. Nesse sentido, tendo em vista que o Estado ainda possui algumas heranças desse período, logo sua economia em grande parte ainda é de produtos primários. 

Apesar disso, a economia brasileira possui uma grande relevância internacional,  voltando ao ranking das 10 maiores economias globais, uma indicação das projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) no ano passado, ultrapassando o Canadá. Segundo dados do World Economic Outlook, o Brasil está no topo como a maior economia da América Latina. Tal reconhecimento atrai o interesse não somente da Índia, como de outros países.

Estima-se que a população brasileira possui cerca de 212,6 milhões de habitantes, de acordo com a pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e aparece com PIB estimado  em US$2,13 trilhões. Ademais, o país possui um ótimo histórico de relações diplomáticas que facilitam a implementação de acordos econômicos, como o Mercosul, a  Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), o grupo econômico BRICS, que a Índia também faz parte, entre outros. 


O COMÉRCIO INTERNACIONAL DA ÍNDIA

De acordo com os dados da ONU, a população da Índia atingiu 1,428 bilhão de habitantes em 2023, tornando-se ligeiramente superior à da China, que é estimada em 1,425 bilhão, além de ocupar uma área de 3.287.263 km². Nos principais setores econômicos, segundo dados do Banco Mundial de 2022, a agricultura contribuiu com 16,7% do PIB e empregou 44% da população ativa, e também é o quinto maior produtor de gado bovino e ovino, bem como o terceiro maior produtor de peixe do mundo. No setor industrial, emprega-se 25% da força de trabalho e representa 25,7% do PIB e, os  setores emergentes, como a biotecnologia, as energias renováveis e a indústria aeroespacial, estão ganhando cada vez mais visibilidade, sendo impulsionados pelos avanços tecnológicos e pelas iniciativas governamentais. Ademais, há o setor de serviços, que é a parte mais dinâmica da economia indiana, contribuindo para quase metade do PIB (48,4%), mas emprega somente 31% da população ativa, e o setor do software, que impulsiona a exportação de serviços e moderniza a economia indiana.

A partir do início da década de 1990, houve grandes mudanças na política e na economia indiana devido ao rompimento do modelo Nehruniano, que era baseado na autossuficiência e na economia fechada de planificação estatal. A estratégia desse modelo consistia na busca pela independência através da industrialização com alta intervenção do Estado e substituição de importações. Já o novo paradigma, tem como objetivo o seu crescimento através da liberalização econômica e a globalização, inclinando-se para culturas e ideias pró-ocidentais e neo-realistas, além de aproximar-se dos Estados Unidos. Algumas de suas mudanças foram a queda dos subsídios para exportações e a abolição de taxas de exportação para produtos minerais e agrícolas.

Em 2001, a primeira fase da reforma, após o fim do modelo Nehruniano, foi concluída e a principal medida adotada pelo governo indiano foi a criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEE), que possuem o papel de promover as exportações e atrair investimento externo. Dessa forma, as empresas que operam nessas Zonas teriam vantagens como: poder investir sem restrições no exterior, a isenção do imposto federal sobre os produtos e o uso das unidades bancárias instaladas nesses locais, podendo conceder empréstimos a taxas de juros internacionais.

Assim, é possível observar que, nas últimas décadas, o governo indiano buscou o livre comércio, principalmente com países ocidentais, através de acordos e zonas vantajosas de trocas para ambos os Estados e membros.


RELAÇÃO BRASIL-ÍNDIA

É notável a aproximação de ambos os países e a evolução das relações da Índia com os países da América Latina. Isso ocorre não somente por conta de suas participações como membros do bloco BRICS, mas também pelos laços criados através de trocas comerciais e acordos bilaterais. Ademais, características em comum fortalecem a aliança, como o fato de ambos compartilharem um histórico de colonização, que influencia diretamente nos países até os dias atuais, pois a exploração enfrentada contribuiu para o estágio de subdesenvolvimento no qual os Estados se encontram.

Antes de 1991, as trocas econômicas entre Brasil e Índia eram praticamente nulas, sendo o desequilíbrio comercial entre os dois países um dos maiores do mundo. Segundo dados do Itamaraty em 1988, durante a década de 80, para cada 150 milhões de dólares que o Brasil exportava, importava apenas 1 milhão, e a justificativa da baixa relação era que as duas economias não seriam complementares. Logo, neste período, a maior interação entre os Estados foi a participação do Brasil na terceira edição da India International Trade Fair, em 1982, sendo um evento importante organizado pela Organização de Promoção Comercial da Índia. 

Ao entrarmos na última década do século 20, a convergência de tendências liberais dos dois países, além da inserção de uma nova ordem sistêmica na Índia, fez com que a comunicação entre eles fosse viável. Assim, o governo indiano mandou seu Ministro do Transporte Terrestre e Comunicações chamar a atenção dos brasileiros para o modelo de construção de ferrovias feito na Índia, além de enviar o próprio Ministro do Comércio para o solo brasileiro. Após esses encontros, ocorreu a primeira parte das reformas na Índia, em 1991, sendo também o início da primeira fase de relações Brasil-Índia. Houve um estreitamento nas relações bilaterais em grande parte por conta do desmantelamento da União Soviética, do qual o ex-embaixador brasileiro, Luiz Felipe Macedo Soares, aborda que:


As exportações da Índia para a URSS caíram pela metade entre 1985 e 1991, mas não é só a perda de um grande mercado preferencial que conduz os exportadores indianos para as nossas praias. As reformas econômicas iniciadas em 1991 levaram a um grande aumento do comércio exterior indiano. (SOARES, 1996. Pg. 18)


Desse modo, outros países, como os Estados Unidos, também aumentaram significativamente as importações vindas da Índia. Apesar de as trocas com a América Latina serem pouco significativas naquele momento, a Índia passou a ver no continente uma oportunidade de recuperar suas perdas econômicas que antes eram feitas com a URSS e o Brasil, considerado a economia mais importante da região, passou a receber uma maior atenção.

Para demonstrar tamanho interesse, o Ministro das Relações Exteriores indiano, Eduardo Faleiro, esteve no Brasil durante a posse de Fernando Collor de Mello, em 1992. A partir de então, houveram iniciativas indianas em diversas ocasiões, como a delegação de empresário pela Association of Chambers of Commerce (ASSOCHAM), que fez uma visita oficial ao MRE, no mesmo ano da posse de Collor. Além disso, o Centre for Latin American and Caribbean Studies of India (CLACSI) foi fundado pelo Ministério dos Assuntos Exteriores em 1994.

Por parte do Brasil, nesses primeiros cinco anos de relações, realizou alguns eventos, como a visita do Ministro da Educação e Meio Ambiente brasileiro, Goldemberg, à Índia em 1992. A partir disso, a aproximação aumentou significativamente e, em 1996, o governo indiano convidou o Presidente do Brasil para ser o único hóspede oficial para as cerimônias de sua data nacional como símbolo de boa disposição para laços diplomáticos.

Além disso, outra questão importante na relação indo-brasileira é sobre a participação de ambos nas negociações da Rodada Uruguai do General Agreement on Tariffs and Trade (GATT), no qual foi criada a OMC, em 1995. O Brasil e a Índia faziam parte do G5 juntamente com Argentina, Egito e Iugoslávia, e defendiam a conclusão dos problemas abordados na rodada anterior antes que dessem início a outra. As oportunidades que surgiram após o surgimento dessa nova instituição foram muitas, fazendo com que houvessem grandes incentivos para negociações que convergem seus interesses comerciais

A segunda fase das relações indo-brasileiras teria começado com a visita de Fernando Henrique Cardoso à Índia, alcançando um novo patamar. Em 1996, o Instituto de Pesquisa Rio Branco organizou o Seminário Brasil-Índia, com o objetivo de debater tópicos importantes para serem tratados pelo presidente. Assim, FHC assinou uma Declaração Conjunta sobre a Agenda Brasil-Índia para Cooperação Científica e Tecnológica, que reforçava a relevância de acordos e a criação de comitês em conjunto para que o desenvolvimento dessas tecnologias tivessem um impacto social.

Aprofundando nas questões comerciais, após tais visitas o governo indiano confirmou seu grande interesse pelo Brasil e seus esforços em criar laços com a América Latina. O Ministério do Comércio e Indústria indiano passou a promover diversas iniciativas que buscavam estimular as exportações para o continente. Dentre elas, um exemplo prático é uma delegação do Council for Leather Exports, que veio ao Brasil com o objetivo de explorar as possibilidades para exportação de couro em 1998, além da missão da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria Indianas, que visitaram o Estado para observar o mercado brasileiro.

O próximo ano foi um momento crucial para as relações comerciais, pois apesar da desvalorização recente do real, moeda brasileira, o país ainda era considerado um dos principais interesses da Índia, representando uma nova fase dessa relação bilateral. Nesse sentido, a crescente desproteção do mercado doméstico indiano a partir de 2001 tornou necessária a criação de outras medidas para que o aumento do déficit comercial do país fosse evitado, criando um fundo de apoio às exportações, no valor de USD 500 milhões. E, para a América Latina, o Ministro Omar Abdullah operacionalizou uma linha de crédito de USD 120 milhões para estimular as exportações ao continente. 

Assim, durante essa terceira fase da relação, as exportações permanecem concentradas em poucos produtos, além dos automóveis. Contudo, todos esses produtos foram ofuscados pelo petróleo, que representou 51% dos valores exportados em 2002, dado do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Além disso, há o comércio de medicamentos do Brasil com a Índia, do qual nosso país importa cerca de 200 milhões de dólares em insumos farmacêuticos anualmente, segundo o Comitê Empresarial Brasil-Índia neste período.

Por fim, a quarta fase teria se iniciado com o surgimento do Fórum de diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS) e o lançamento do G20, que no atual ano será sediado no Rio de Janeiro, Brasil. É importante ressaltar a eficácia das articulações do G4 naquele momento, com o objetivo de obter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.


BRICS

O BRICS foi fundado em 16 de junho de 2009 e possuía cinco países emergentes como membros: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e no início do ano de 2024 foi ampliado para incluir o Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Irã. O grupo tem uma grande população, mesmo quando eram apenas os quatro países fundadores. Em 2008, continham 2,8 bilhões de habitantes, número que representava 41,8% da população mundial, sendo Índia e China sozinhas responsáveis por 37% da população total (BAUMANN; 2010). Contudo, não são apenas suas elevadas populações que garantem a essas nações lugar de destaque, mas também suas grandes áreas geográficas.

O PIB do bloco em geral tem aumentado, apesar de ainda existir uma grande desigualdade entre o crescimento dos PIB’s dos países que o compõem. Por exemplo, entre os anos 1990 e 2008 o PIB chinês cresceu a uma taxa de 10,3% enquanto a Rússia cresceu a uma taxa de apenas 0,7% de seu PIB. O Brasil, por sua vez, cresceu 3%, pouco menos da metade do crescimento indiano (BAUMANN; 2010).

Podemos observar, portanto, que há diferenças no grau de dependência do comércio internacional para o dinamismo dos BRICS, o que por si só dificulta a articulação e a coordenação internacional conjunta. Contudo, apesar de tais questões, é possível afirmarmos que os membros possuem uma boa identificação e compartilham diversas características, além da capacidade produtiva nos diversos setores e seus envolvimentos no comércio internacional ter aumentado, como mostram dados do World Development Indicators (WDI) entre 1990 e 2008, em que o Brasil participa 0,9% da exportação no comércio mundial e a Índia 0,5 em 1990, e  o Brasil 1,0% e a Índia 1,4% em 2008. E, quanto às importações, a participação do Brasil era de 0,7% e passou a ser 0,9%, enquanto a Índia era de 0,6% e passou a ser 1,7%.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, portanto, que as relações econômicas entre Brasil e Índia têm se progredido significativamente devido às semelhanças históricas e interesses para o futuro em comum, conforme foi demonstrado nas quatro fases de sua evolução e após a criação dos BRICS. Entretanto, é necessário se precaver para os riscos que podem ser conflitantes em diversos aspectos. Isso fica evidente dentro do contexto e perspectivas políticas indianas, que podem tornar a relação com o Brasil irrelevante frente a outros desafios impostos à Índia.



REFERÊNCIAS

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BAUMANN, R. O Brasil e os demais BRICs Comércio e Política. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://repositorio.cepal.org/server/api/core/bitstreams/953d1a4a-4dfa-46e1-b1c1-ab9787d29157/content>.

BAÉ BALADÃO VIEIRA, M. RELAÇÕES BRASIL-ÍNDIA (1991-2006). Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

COSTA LIMA, M.; KUMAR SAHA, S. Elementos para a construção de uma cooperação Brasil-Índia: inovação tecnológica e comércio internacional.

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Desafios e dilemas dos grandes países periféricos: Brasil e Índia. Revista Brasileira de Política Internacional. Rio de Janeiro. Ano 41, No 1. 1998. Pg. 3

OLIVEIRA, A. J. N. DE; ONUKI, J.; OLIVEIRA, E. DE. Coalizões Sul-Sul e multilateralismo: Índia, Brasil e África do Sul. Contexto Internacional, v. 28, n. 2, p. 465–504, dez. 2006.

VIEIRA, F. V.; VERÍSSIMO, M. P. Crescimento econômico em economias emergentes selecionadas: Brasil, Rússia, Índia, China (BRIC) e África do Sul. Economia e Sociedade, v. 18, n. 3, p. 513–546, dez. 2009.

PENNAFORTE, C.; LUIGI, R. O BRICS E O REORDENAMENTO DE PODER NA GEOPOLÍTICA MUNDIAL. AUSTRAL: Brazilian Journal of Strategy & International Relations, v. 9, n. 18, 6 jan. 2021.

PORTAL SANTANDER TRADE MARKETS. Disponível em: https://santandertrade.com/pt/portal/analise-os-mercados/india/economia


 
 
 

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