Artigo - Brasil e Israel: relação afetada no cenário de guerra
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 18 de jul. de 2024
- 6 min de leitura
Por: Bernardo Queiroz, Gabriela Maciel, Bárbara Preissler
Fonte: DepositPhotos
Relação Comercial entre o Brasil e Países Árabes
Dois fatores podem ajudar a explicar o crescimento da relação comercial entre o Brasil e os árabes. O primeiro, é a estratégia brasileira de tentar diversificar os seus parceiros comerciais, diante das dificuldades recentes que o país vem obtendo para estabelecer cooperação comercial com outros parceiros como, a União Europeia e os Estados Unidos. E o crescimento da demanda por produtos agrícolas e matérias primas por parte dos países árabes, que é possibilitado acima de tudo pela forte atividade petrolífera que existe na região.
Em 2022, o comércio entre o Brasil e países da Liga Árabe totalizou US$ 32 bilhões, a melhor marca em décadas. Em 2023, o volume foi menor nas importações brasileiras, porém as exportações continuaram em níveis semelhantes. Isso pode ser explicado devido à “normalização” dos preços de produtos como petróleo e fertilizantes, que estavam sendo fortemente influenciados pela Guerra da Ucrânia no início do conflito. Com isso, o Brasil obteve um superávit comercial com os países da Liga Árabe que foi estimado em aproximadamente US$ 6 bilhões em 2023.
Dentro desse comércio o setor mais afetado é o agronegócio, responsável por 70% das exportações brasileiras para países da Liga Árabe. Outra matéria-prima que representa boa parte do comércio do Brasil com os árabes é o minério de ferro. Apesar da queda recente no preço das commodities, o insumo ainda exerce um peso muito grande na pauta exportadora brasileira. Para o lado das importações, o Brasil consome principalmente fertilizantes e petróleo e derivados.
Se formos levar em conta a posição da Liga Árabe no sentido da condenar historicamente Israel e reivindicar o estabelecimento do estado palestino, a iniciativa do Brasil de se distanciar de Israel após a eclosão dos conflitos na Faixa de Gaza indica a estratégia geopolítica do país de se aproximar de países emergentes com potencial de potencializar as capacidades do Brasil no comércio internacional. A dependência de fertilizantes e combustíveis na economia brasileira também pode ter contribuído para a posição de neutralidade na Guerra da Ucrânia, onde o país se recusou para vender armas ao conflito, ao mesmo tempo em que ampliou as cifras de seu comércio com a Rússia.
Outro fator que pode contribuir para a posição do governo brasileiro em relação aos BRICS é a adesão de Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Egito no bloco. Esses são os três maiores importadores de produtos brasileiros dentro da Liga Árabe, e agora se juntam a que já tinha China, Rússia e África do Sul em um bloco que é majoritariamente a favor da causa palestina. Além desses três países, a entrada do Irã no bloco também pode contribuir para um distanciamento maior de Israel em relação aos BRICS. Maior inimigo de Israel, o Irã também é um importante exportador de fertilizantes e combustíveis para a economia brasileira.
Cooperação Militar
Apesar das diversas críticas feitas a Israel, por parte do Brasil, nos fóruns internacionais, os dois países ainda seguem estabelecendo relações no campo militar, sendo o Brasil um país importador de armas israelenses. A relação de cooperação, que já existe a décadas, foi ampliada durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro. Logo nos primeiros meses de governo, Bolsonaro visitou Israel e assinou um acordo que visava ampliar a cooperação militar entre Brasil e Israel. O acordo previa o aumento de importações de armas por parte do Brasil, além de prever o compartilhamento de tecnologias e treinamentos de ambas as partes.
Com a derrota de Bolsonaro para Lula nas eleições de 2022, havia a expectativa de que a cooperação entre Brasil e Israel fosse restringida com a chegada do novo governo. Isso ocorreu em partes, pois apesar do Brasil condenar publicamente o genocídio que está sendo praticado pelos israelenses, uma parcela significativa da cooperação militar estabelecida entre Brasil e Israel ainda se mantêm. Isso faz com que o governo brasileiro adote uma postura relativamente contraditória em suas relações com Israel. Em 2024 o Brasil defendeu no Conselho de Direitos Humanos da ONU que nenhum país deveria vender armas para Israel, porém, apenas um mês depois anunciou a compra de armas israelenses no valor de mais de US$ 1 bilhão.
A manutenção das relações de cooperação com Israel no campo militar evidencia a dependência que o Brasil ainda possui em relação ao ocidente e seus parceiros dentro dessa área. Apesar do Brasil estar diversificando os seus parceiros comerciais e aumentando a parcela da suas exportações que vão para o oriente, no campo militar o Brasil ainda compra boa parte de seu aparato militar dos Estados Unidos, além de submarinos franceses, caças suecos, além de outros armamentos vindos do ocidente, incluindo Israel. Por isso, a posição brasileira em relação aos conflitos em Gaza pode indicar que o Brasil possui mais preocupação com o incremento de seus laços comerciais, englobando países emergentes numa dinâmica mais multilateral, do que com a manutenção de laços militares, diante da distância política e geográfica que o Brasil tem em relação aos conflitos armados internacionais.
Importação e exportação
Em 2023, a balança comercial entre Brasil e Israel foi de US$2 bilhões, terminando com o que coloca o Israel como 34º maior exportador ao Brasil em 2023 com um total de US$ 1.351.954.692 de exportações para o país sul-americano . Essa cifra, no entanto, foi 49,7% menor que a do ano anterior e 130,2% maior que a da balança de 2021. Tendo em vista este aumento, o Brasil comprou mais de Israel em 2023 do que em qualquer outro ano de sua história. Os itens adquiridos pelo Brasil em 2023 que mais se destacaram foram insumos da indústria química.
Os produtos que o Brasil importa mais significativamente de Israel são insumos da indústria química. Os fertilizantes estão no topo da lista, já que respondem por 45% das importações e totalizam a quantia de US$ 608 milhões. Os inseticidas representam 11% do total importado e somam US$ 144 milhões. Outros produtos específicos da indústria de base comprados incluem insumos para a indústria têxtil, correspondendo por cerca de 4% do valor mencionado, ou seja, US$ 80,2 milhões. A aquisição de aeronaves compreendia 3.1% ou US $ 41,7 milhões. Armas e munições estão na última posição, com 1,2% ou US$ 16,6 milhões sendo gastos em compras. Quanto às exportações do Brasil para Israel, o montante total era de US$ 662 milhões em 2023. Os principais produtos exportados eram óleos brutos de petróleo ou minerais betuminosos com uma proporção de 21%, carne bovina fresca com 19% e soja com 18%. Os países do Oriente Médio, incluindo Israel, são altamente dependentes das importações.
Devido a suas vastas áreas desertas, os países do Oriente Médio, como Israel, estão altamente demandando insumos alimentares do Brasil desde que a capacidade de produção agrícola local, por enquanto e pelas previsões futuras, a longo prazo, não será suficiente para atender as demandas do público. A diplomacia comercial entre Brasil e Israel terá essas relações muito prejudicadas pelo impasse diplomático entre os dois países apenas se a situação persistir por um período prolongado. O Brasil mantém um saldo comercial negativo com Israel, importando muito mais do que exportando para o país.
Considerações Finais
Assim, o comportamento brasileiro em relação a Israel é de fato incoerente. Em um cenário de dependência extrema do Ocidente, o Brasil vem buscando ampliar seus parceiros comerciais, o que permitiu que fossem estreitados os laços com países árabes. Considerando o crescimento da demanda por produtos agrícolas e matérias primas na região, eles representaram uma boa alternativa à União Europeia e aos Estados Unidos. Entretanto, com a eclosão da guerra entre Israel e Hamas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adotou um posicionamento contra o genocídio ocorrido na região de Gaza, assim como diversas outras potências. Nessa perspectiva, era esperado que houvesse uma redução nas relações comerciais com o país israelense, porém o que ocorreu não corresponde ao discurso brasileiro. Apesar de condenar as ações israelenses, o Brasil segue mantendo relações no campo militar com o país, importando armas da região. Portanto, apesar de demonstrar preocupação com o conflito, o Brasil segue focando em seus laços comerciais que representam dependência, o que promove atitudes incoerentes quanto a Israel.
Bibliografia:
Com apoio de Brasil, conselho da ONU adota resolução contra a venda de armas a Israel. G1. 05/04/2024. https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/04/05/conselho-de-direitos-humanos-da-onu-aprova-resolucao-exigindo-que-paises-deixem-de-vender-armas-a-israel.ghtml
Exportações do Brasil para a Liga Árabe alcançam receita recorde em 2022. Exame. 27/01/2023. https://exame.com/agro/exportacao-do-brasil-para-a-liga-arabe-alcanca-receita-recorde-em-2022/
Senado aprova acordo entre Brasil e Israel na área de defesa. Agência Senado. 29/03/2022. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/03/29/senado-aprova-acordo-entre-brasil-e-israel-na-area-de-defesa
The Strong ties between Brazil and arab countries are reflected by trade figures. Middle East Monitor. 09/02/2023. https://www.middleeastmonitor.com/20230209-the-strong-ties-between-brazil-and-arab-countries-are-reflected-by-the-trade-figures/.
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