Artigo - Comércio Internacional de Armas: Impactos Econômicos e Humanitários
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 31 de mai. de 2024
- 6 min de leitura
Por: João Albuquerque
Fonte: Senad
Resumo
O artigo propõe-se a fazer uma análise crítica da maneira como é gerido o comércio internacional de armas. Desse modo, mostrar-se-ão os números referentes ao massivo impacto econômico promovido por esse fluxo e os mercados envolvidos no processo, destacando os principais importadores e exportadores. Na sessão seguinte, se discorre sobre a singularidade desse mercado, e como seu impacto manifesta-se não apenas pelo fluxo de capitais e mercadores mas também pelo número de mortos e feridos, vinculando-se com manifestações de violências que transcendem os mais diversos grupos sociais, desde conflitos bélicos tradicionais, grupos paramilitares, crime organizado em suas diversas facetas e mesmo violência de gênero.
Histórico do Comércio de Armamentos
Ainda que o histórico do comércio de armas seja muito mais antigo que a industrialização, o seu desenvolvimento e expansão da maneira como hoje a conhecemos passa a ser melhor contextualizada a partir dessa. Nesse sentido, a Revolução Industrial no século XIX marcou uma nova era no comércio de armas. A produção em massa, a padronização e os avanços tecnológicos, como o rifle de repetição e a artilharia pesada, aumentaram a capacidade de produção e a qualidade dos armamentos. Países como o Reino Unido, a Alemanha e a França emergiram como grandes exportadores, vendendo armas não apenas para aliados, mas também para potenciais adversários. Desse modo, a corrida armamentista do final do século XIX e início do século XX, a qual foi impulsionada pelas tensões geopolíticas e pela Primeira Guerra Mundial, viu um aumento dramático nas exportações de armas. Os fabricantes de armas, como Krupp na Alemanha e Vickers no Reino Unido, desempenharam papéis centrais nas economias nacionais e na política externa.
Intensificação
Após esse período de desenvolvimento inicial, destaca-se o período entre guerras e a Segunda Guerra. Tal período é inaugurado pelo Tratado de Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial, tentou limitar a produção e o comércio de armas na Alemanha, mas a demanda global por armamentos continuou a crescer. A Liga das Nações tentou, sem sucesso, regular o comércio de armas através de acordos internacionais, como o Convênio sobre o Comércio Internacional de Armas e Munições e de Materiais de Guerra de 1925, o qual tentava controlar esse fluxo após os terrores da Primeira Guerra. Contudo, essa tentativa foi incipiente e durante a Segunda Guerra Mundial novamente expandiu massivamente o comércio de armas, com as potências Aliadas e do Eixo buscando armamentos de todas as partes do mundo. Após a guerra, os Estados Unidos e a União Soviética emergiram como superpotências e principais exportadores de armas, estabelecendo o cenário para a Guerra Fria.
O comércio da bipolaridade à unipolaridade
Durante a Guerra Fria, o comércio de armas tornou-se uma ferramenta essencial da política externa. Os EUA e a URSS exportavam grandes quantidades de armamentos para aliados e proxies em todo o mundo, desde a América Latina até a África e o Sudeste Asiático. Esses armamentos não só alimentaram conflitos regionais, mas também foram usados como uma forma de influência política e militar. Com o fim dessa bipolaridade , o comércio de armas sofreu uma transformação. A queda da União Soviética levou a um declínio inicial nas exportações russas, mas elas se recuperaram rapidamente. Os Estados Unidos consolidaram sua posição como o maior exportador mundial de armas. Novos atores como a China e a Índia começaram a emergir tanto como exportadores quanto como importadores significativos. Além disso, atualmente o comércio de armas é marcado pela crescente complexidade tecnológica, com ênfase em sistemas de defesa avançados, drones e ciberarmas. A globalização e a integração econômica facilitaram o fluxo de tecnologia militar, ao mesmo tempo em que preocupações com a proliferação de armas de destruição em massa e o terrorismo global aumentaram a necessidade de regulamentação e controle.
O processo de internacionalização do comércio de armas é uma história de evolução contínua, impulsionada por inovações tecnológicas, mudanças políticas e necessidades econômicas. Desde as trocas iniciais nas civilizações antigas até o complexo mercado global de hoje, o comércio de armas continua a ser um elemento central da política internacional e da economia global, com implicações profundas para a segurança e a estabilidade mundial.
Relevância Econômica
O comércio internacional de armas tem um impacto significativo na economia global, tanto para países exportadores quanto importadores. Esse mercado movimenta bilhões de dólares anualmente e envolve complexas dinâmicas políticas e estratégicas, além das implicações econômicas. Ademais, manifesta-se também, criando empregos, estimulando o desenvolvimento tecnológico e gerando receitas fiscais. Nos países exportadores, a indústria de defesa sustenta milhões de empregos e contribui substancialmente para o PIB. Nos países importadores, as compras de armas podem impulsionar a modernização das forças armadas e, em alguns casos, promover transferências de tecnologia que beneficiam outras áreas da economia. Contudo, o comércio de armas também levanta questões éticas e de segurança, pois pode exacerbar conflitos e alimentar a instabilidade em regiões já voláteis. Além disso, os enormes gastos militares podem desviar recursos de áreas essenciais como saúde e educação.
Principais Exportadores
Os principais exportadores de armas no mundo são Estados Unidos, Rússia, França, Alemanha e China. Esses países dominam o mercado global de armamentos, representando juntos uma grande parcela das exportações mundiais.
1. Estados Unidos: Os EUA são os maiores exportadores de armas, responsáveis por cerca de 37% das exportações globais. As empresas americanas, como Lockheed Martin, Boeing e Raytheon, são líderes na produção de equipamentos militares avançados, incluindo aviões de combate, mísseis e sistemas de defesa. A indústria de defesa americana é um componente crucial da economia do país, gerando empregos e contribuindo significativamente para o PIB.
2. Rússia: A Federação Russa é o segundo maior exportador de armas, com cerca de 20% do mercado global. Rosoboronexport é a principal empresa exportadora russa. O comércio de armas é uma importante fonte de receita para a economia russa e um instrumento de influência geopolítica.
3. França, Alemanha e China: Esses países, cada um com cerca de 5-10% do mercado global, são outros grandes jogadores. A França, com empresas como Dassault e Thales, é um grande exportador de aeronaves militares. A Alemanha, através da Rheinmetall e ThyssenKrupp, exporta veículos blindados e submarinos. A China, com empresas como NORINCO e AVIC, está aumentando sua participação no mercado, exportando principalmente para países em desenvolvimento.
Principais Importadores
Os principais importadores de armas são Índia, Arábia Saudita, Egito, Austrália e China. Esses países investem pesadamente em armamentos para modernizar suas forças armadas, enfrentar ameaças regionais e manter sua posição geopolítica.
1. Índia: É o maior importador de armas do mundo, respondendo por cerca de 11% das importações globais. A Índia importa principalmente da Rússia, França e Israel, adquirindo aviões de combate, navios e sistemas de defesa aérea.
2. Arábia Saudita: Com cerca de 10% das importações globais, a Arábia Saudita é um dos maiores compradores de armamentos americanos e britânicos. O país investe massivamente em equipamentos militares devido às tensões regionais e ao conflito no Iêmen.
3. Egito, Austrália e China: Esses países também são grandes importadores de armas. O Egito recebe armamentos dos EUA, Rússia e França. A Austrália compra principalmente dos EUA e do Reino Unido, enquanto a China, além de ser um grande exportador, também importa tecnologia avançada para fortalecer sua própria indústria de defesa.
Impactos Humanitários
O comércio internacional de armas tem profundos impactos humanitários, contribuindo significativamente para a escalada e prolongamento de conflitos armados ao redor do mundo. Esse mercado, sustentado por enormes interesses econômicos e geopolíticos, alimenta guerras contemporâneas, resultando em uma imensa perda de vidas humanas e sofrimento. Tal custo é expresso por meio de estimativas, as quais apontam que centenas de milhares de pessoas morrem anualmente em conflitos armados em todo o mundo. De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (SIPRI), mais de 100.000 pessoas foram mortas diretamente por conflitos armados apenas na última década. Além das mortes, milhões de pessoas são feridas, muitas vezes com lesões que causam incapacidades permanentes. Conflitos em países como Síria, Iémen, Sudão do Sul e Afeganistão são exemplos de como o comércio de armas contribui para a devastação humanitária.
Além disso, existe uma série de impactos adjacentes, os quais prejudicam a vida da população, tais guerras alimentadas pelo comércio de armas resultam em grandes deslocamentos de populações. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 100 milhões de pessoas foram deslocadas à força de suas casas devido a conflitos, perseguições e violações de direitos humanos, muitas vezes exacerbadas pela disponibilidade de armamentos. Isso justifica-se dentre outros fatores pela destruição de infraestruturas essenciais, como hospitais, escolas e redes de abastecimento de água, agrava as crises humanitárias. A disponibilidade de armamentos pesados e sofisticados facilita ataques de grande escala que destroem esses recursos vitais, prejudicando o acesso da população civil a serviços básicos.
O preço de vidas
Apesar do massivo fluxo econômico promovido pelo comércio internacional de armas, que sustenta indústrias e economias de grandes exportadores , é essencial que essa área seja vista com responsabilidade devido aos enormes custos humanos envolvidos. Desse modo, o fornecimento de armamentos a regiões de conflito, como a Síria e o Iémen, exacerba a violência, prolonga guerras e resulta em uma trágica perda de vidas humanas, além de provocar deslocamentos forçados e a destruição de infraestruturas essenciais. A regulamentação eficaz e a responsabilização dos atores envolvidos são cruciais para minimizar esses impactos e garantir que o comércio de armas não continue a alimentar crises humanitárias devastadoras.
Referências:
SIPRI Arms Transfers Database. SIPRI. Disponível:
https://www.sipri.org/databases/armstransfers. Acesso em 30 de maio de 2024.
UN High Commissioner for Refugees welcomes new global arms trade treaty. UNHCR. Disponível:
https://www.unhcr.org/news/news-releases/un-high-commissioner-refugees-welcomes-new-global-arms-trade-treaty. Acesso em 30 de maio de 2023
Arms Control. Amnesty International. Disponível:
https://www.amnesty.org/en/what-we-do/arms-control/. Acesso em 30 de maio de 2023
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