Artigo - Corrupção no Comércio Internacional
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 16 de jun. de 2024
- 8 min de leitura
Por: Lecticia Duarte
Fonte: Nadia Diz Grana
Introdução
A corrupção no comércio exterior é um fenômeno complexo e multifacetado que representa um desafio significativo para a integridade dos mercados globais e o desenvolvimento econômico. Ela pode se manifestar de várias formas, cada uma com impactos distintos e prejudiciais. Os tipos mais comuns de corrupção incluem suborno, fraude, evasão fiscal, lavagem de dinheiro, conluio e a formação de cartéis.
Suborno envolve o pagamento ilícito a funcionários públicos ou privados para obter vantagens comerciais indevidas, como a garantia de contratos ou a aprovação de licenças. Fraude refere-se à falsificação de documentos ou informações para enganar e obter benefícios financeiros ou comerciais. Evasão fiscal é a prática de esconder rendimentos ou subestimar obrigações fiscais para evitar o pagamento de impostos, enquanto a lavagem de dinheiro implica a ocultação da origem ilícita de fundos para integrá-los ao sistema financeiro legal. Conluio e a formação de cartéis ocorrem quando empresas se associam secretamente para manipular preços, dividir mercados ou restringir a concorrência, prejudicando os consumidores e a economia em geral. Esses tipos de corrupção não apenas distorcem a concorrência leal, mas também minam a confiança nas instituições e comprometem o crescimento econômico sustentável.
Este artigo explora as diversas facetas da corrupção no comércio exterior e as medidas eficazes para combatê-la, abordando práticas e políticas adotadas por diferentes países e organizações internacionais para mitigar esses atos ilícitos. Para ilustrar a complexidade e os impactos da corrupção, analisaremos detalhadamente o caso Siemens, um dos maiores escândalos de corrupção corporativa da história. Este estudo de caso fornecerá insights valiosos sobre as consequências da corrupção e as estratégias implementadas para restaurar a integridade e a confiança no comércio internacional.
Formas de corrupção no comércio internacional
A corrupção no comércio internacional pode manifestar-se de várias formas, impactando negativamente o desenvolvimento econômico e a confiança nos mercados. A prática do suborno é uma das formas mais comuns e perniciosas de corrupção nesse contexto. Envolve o oferecimento de pagamentos ilegais a autoridades ou funcionários, visando obter vantagens comerciais injustas, que vão desde a concessão de contratos lucrativos até a obtenção de permissões especiais e influência em decisões comerciais. Essas ações prejudiciais têm diversos impactos.
O suborno distorce a concorrência ao dar vantagens injustas a empresas que o praticam, prejudicando aquelas que operam legal e eticamente. Isso resulta em aumento de preços para os consumidores e diminuição da qualidade dos produtos e serviços. No comércio internacional, o suborno mina a confiança no sistema comercial, desencorajando investimentos e comprometendo a credibilidade das instituições reguladoras, o que dificulta um desenvolvimento econômico sustentável e equitativo.
A fraude no comércio internacional vai além do suborno, envolvendo a falsificação de documentos cruciais. Isso inclui manipulação de certificados de origem, licenças de importação/exportação e faturas para enganar autoridades, clientes e parceiros comerciais. Exemplos comuns são a subdeclaração do valor das mercadorias e a falsificação de certificados de qualidade, comprometendo a concorrência e a segurança dos produtos.
Essa prática acarreta diversos impactos negativos. Primeiro, há a perda de receita fiscal devido à evasão de impostos. Além disso, produtos fraudulentos podem representar riscos à saúde dos consumidores. A descoberta de fraudes pode prejudicar irremediavelmente a reputação das empresas, minando a confiança dos clientes e parceiros comerciais. Além disso, a fraude documental pode ter graves consequências ambientais, facilitando o comércio ilegal de produtos derivados de espécies ameaçadas e comprometendo esforços de conservação.
A lavagem de dinheiro no comércio internacional, conhecida como TBML, é uma prática complexa que envolve a dissimulação de fundos ilícitos por meio de transações comerciais legítimas. Essa técnica aproveita a complexidade e o volume do comércio global para ocultar atividades financeiras ilegais, utilizando métodos como super/subfacturação de mercadorias e falsificação de documentos. Estima-se que até 80% dos fluxos financeiros ilícitos globais estejam relacionados ao TBML, financiando atividades criminosas como tráfico de drogas e terrorismo.
Os impactos negativos da lavagem de dinheiro no comércio internacional são profundos. Além de financiar atividades ilegais, a entrada de fundos ilícitos pode desestabilizar economias locais e comprometer a integridade financeira das instituições envolvidas. Para combater o TBML, é crucial que instituições financeiras e reguladores desenvolvam sistemas robustos de detecção, utilizando tecnologias avançadas como IA e machine learning. A colaboração internacional é essencial para compartilhar informações e práticas recomendadas, enquanto o fortalecimento das medidas de due diligence e KYC é vital para as instituições financeiras.
A evasão fiscal no comércio internacional envolve a subdeclaração de valores de importação e exportação e o uso de estratégias para pagar menos impostos, como a transferência de lucros para paraísos fiscais e a falsificação de documentos. Empresas multinacionais manipulam preços de transferência para deslocar lucros de países com impostos elevados para aqueles com impostos mais baixos. Outras táticas incluem a subdeclaração de valores nas transações internacionais e a criação de estruturas corporativas complexas para dificultar o rastreamento das transações financeiras.
Essas práticas resultam em perdas significativas de receitas fiscais para os governos, que poderiam ser investidas em infraestrutura, saúde, educação e outros serviços essenciais. A evasão fiscal favorece empresas que adotam essas atividades em detrimento das que cumprem suas obrigações fiscais, contribuindo para a desigualdade no mercado. A perda de receita fiscal compromete a capacidade dos governos de fornecer serviços públicos de qualidade, prejudicando especialmente as camadas mais vulneráveis da sociedade e o bem-estar geral da população.
O conluio e a formação de cartéis ocorrem quando empresas concorrentes se associam ilegalmente para manipular o mercado, fixando preços, dividindo mercados e restringindo a concorrência. Essas práticas eliminam a concorrência de preços, desincentivam a inovação e criam barreiras para novos competidores. Como resultado, os consumidores têm menos opções e frequentemente pagam preços mais altos, enquanto as empresas dominantes mantêm o controle sem a pressão de melhorar seus produtos.
A corrupção no comércio exterior agrava esses efeitos negativos ao distorcer ainda mais o mercado. Empresas envolvidas em práticas corruptas, como suborno e fraudes aduaneiras, obtêm vantagens desleais, elevando os custos operacionais e repassando esses custos aos consumidores. Isso reduz a arrecadação de impostos, prejudicando a capacidade dos governos de financiar serviços públicos e infraestrutura, impactando o desenvolvimento econômico sustentável. A confiança pública nas instituições é erodida, desencorajando investimentos. Para combater esses problemas, é essencial implementar regulamentações rigorosas, melhorar a transparência e fiscalização, promover a educação sobre práticas éticas e cooperar internacionalmente. Essas medidas são cruciais para garantir um ambiente de negócios justo e competitivo.
Medidas de Combate a corrupção
Para combater a corrupção no comércio exterior, é fundamental implementar uma série de medidas integradas que envolvem governos, empresas e a sociedade civil. Uma das principais estratégias é o fortalecimento das leis e regulações anticorrupção. Leis rigorosas, com penalidades severas para aqueles que praticam ou facilitam a corrupção, são essenciais para desencorajar essas práticas. De acordo com o Banco Mundial, punir a corrupção é vital para qualquer esforço eficaz contra a corrupção, alinhando as medidas anticorrupção com as forças de mercado, comportamentais e sociais.
A transparência e a prestação de contas também são fundamentais. Aumentar a transparência nas operações comerciais e nas atividades governamentais incentiva a prestação de contas e a vigilância pública. Isso pode ser alcançado através do uso de tecnologias avançadas para monitorar transações comerciais, detectar irregularidades e rastrear atividades suspeitas. Como destacado pelo Banco Mundial, utilizar o poder da tecnologia pode facilitar intercâmbios dinâmicos e contínuos entre governo, cidadãos, empresas e sociedade civil. A OECD também enfatiza que a cooperação internacional é crucial para enfrentar a corrupção transnacional, compartilhando informações, melhores práticas e recursos.
Além disso, a capacitação e o treinamento contínuo de funcionários públicos e privados sobre práticas éticas e procedimentos anticorrupção são vitais. A cooperação internacional é crucial para enfrentar a corrupção transnacional, compartilhando informações, melhores práticas e recursos. Encorajar a participação ativa da sociedade civil e de organizações não governamentais na vigilância e denúncia de práticas corruptas também é essencial. “Combater a corrupção exige uma abordagem multifacetada, que inclui esforços nacionais e internacionais para melhorar a qualidade do governo e a confiança pública nas instituições” (Bågenholm, Andreas, and others (eds), The Oxford Handbook of the Quality of Government, Oxford Handbooks, 14 de julho, 2021).
Estudo de Caso: Caso Siemens
O caso Siemens é um dos maiores escândalos de corrupção corporativa da história, envolvendo subornos e práticas ilícitas em diversas partes do mundo. A Siemens, uma multinacional alemã e uma das maiores empresas de engenharia do mundo, foi acusada de pagar milhões de dólares em subornos para garantir contratos governamentais.
As práticas corruptas ocorreram predominantemente entre os anos 1990 e 2000, envolvendo a indústria de engenharia e eletrônica, com contratos principalmente nos setores de energia, telecomunicações, transporte e saúde. As investigações começaram após relatos de irregularidades em 2004, iniciadas pelas autoridades alemãs e seguidas por investigações aprofundadas pela Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) e pelo Departamento de Justiça dos EUA (DOJ). A Siemens utilizava contas secretas e empresas de fachada para pagar subornos a funcionários públicos e intermediários em diversos países.
Os subornos foram pagos globalmente, incluindo países como Argentina, Venezuela, China, Nigéria, Rússia, Vietnã, México, Grécia, Bangladesh e Iraque. Em casos específicos, na Argentina, subornos de aproximadamente 100 milhões de dólares foram pagos para garantir um contrato de identificação nacional, enquanto em Bangladesh, os pagamentos asseguraram contratos de telecomunicações, e na Grécia, subornos garantiram contratos com a empresa estatal de telecomunicações.
Os impactos financeiros foram significativos, com a Siemens pagando um total de 1,6 bilhão de dólares em multas, uma das maiores já impostas por corrupção. Nos EUA, 800 milhões de dólares foram pagos em multas para o DOJ e SEC, e na Alemanha, 800 milhões de dólares em multas e penalidades. O escândalo manchou a reputação da Siemens, levando a uma perda de confiança por parte de investidores, parceiros e clientes. Diversos executivos de alto escalão foram demitidos ou renunciaram, incluindo o CEO Heinrich von Pierer.
O caso levou a um maior escrutínio e fortalecimento das leis anticorrupção globalmente, incluindo a Lei Anticorrupção do Reino Unido e o reforço da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior dos EUA (FCPA). A Siemens implementou uma revisão completa de sua estrutura de governança, incluindo a criação de uma Diretoria de Conformidade, intensificou os programas de treinamento em conformidade para todos os funcionários e estabeleceu um sistema robusto para permitir que os funcionários denunciem práticas suspeitas de forma anônima. Externamente, a Siemens cooperou extensivamente com as investigações e implementou as recomendações das autoridades, nomeando monitores externos independentes para supervisionar a implementação das reformas e assegurar a conformidade contínua.
A corrupção no comércio exterior é um desafio persistente e intrincado, cujas ramificações perniciosas afetam todas as esferas da economia global. O estudo de caso da Siemens ilustra de forma vívida como práticas corruptas, como suborno, fraude, evasão fiscal, lavagem de dinheiro, conluio e formação de cartéis, destacando de maneira contundente a importância dessas medidas e reforça a necessidade contínua de vigilância e reforma para garantir um ambiente comercial justo, ético e sustentável.
Combater a corrupção no comércio exterior requer uma resposta abrangente e multifacetada. É crucial fortalecer as leis, promover a transparência, adotar tecnologias inovadoras e estimular a cooperação internacional para enfrentar eficazmente esse problema. A construção de uma economia global mais ética e transparente só será possível com a participação ativa e comprometida de todos os atores envolvidos - governos, empresas e sociedade civil. Essa colaboração é fundamental para superar os desafios da corrupção e promover um desenvolvimento econômico equitativo e sustentável em escala mundial.
Referências bibliográficas
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