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Artigo - Disputa comercial entre EUA e China no contexto das mudanças climáticas

Por: Bernardo Queiroz


Fonte: Jason Lee/Illustration/Reuters


  O artigo pretende focar em duas tendências que vêm se consolidando nos últimos anos dentro das relações internacionais: O acirramento da disputa geopolítica entre Estados Unidos e China a nível global, e o crescimento da demanda por sustentabilidade que está sendo refletido no comércio internacional. Por causa desses dois fatores, vem se desenvolvendo um cenário onde as duas principais potências globais estão em uma crescente disputa para tentar aumentar a sua influência nos setores ligados ao comércio sustentável e especialmente em setores com transporte e energia renovável.

 

Introdução

         A disputa entre os Estados Unidos e a China vêm ganhando proporções cada vez maiores devido ao rápido crescimento econômico que a China vem obtendo nas últimas décadas, que ameaça o status dos Estados Unidos como única superpotência global. Apesar dos países não possuírem uma boa relação desde 1949, a disputa entre os dois tinha uma relevância menor inicialmente devido ao tamanho proporcionalmente pequeno que a economia chinesa possuía. Porém, a partir dos anos 80 começaram a ser feitas uma série de reformas econômicas que colocaram a China como um dos principais centros industriais do planeta, e desde então o país vêm se modernizando, crescendo a sua economia e aumentando a sua influência geopolítica como consequência.

         Ao mesmo tempo em que o mundo presenciava a China ascender como uma potência global, presenciava também o acirramento de questões ligadas a mudanças climáticas, escassez de recursos e aquecimento global. Com o passar dos anos, países passaram a adotar compromissos mais rigorosos em relação a mudanças climáticas, que podem ser refletidos na Agenda 2030 adotada por diversos países desenvolvidos e no Acordo de Paris, assinado em 2015. Essas medidas fizeram com que houvesse um esforço internacional para manter a temperatura do planeta no máximo 2ºC acima dos níveis pré-industriais.1

         O estabelecimento de metas para implementar um desenvolvimento mais sustentável para o futuro requer uma significativa mudança nos modos de consumo e produção. Os compromissos estabelecidos em 2015 englobam medidas nas mais diversas áreas que incluem conscientização ambiental, redução do desperdício de alimentos, geração de empregos e turismo ecológico, cooperação tecnológica para projetos sustentáveis, entre muitos outros. Porém, dentre todos esses fatores, a transição energética é o que possivelmente tem tido o maior impacto dentro do comércio internacional.

         Os compromissos estabelecidos por diversos países em relação ao desenvolvimento sustentável contribuem para que haja demanda crescente por produtos como paineis solares, carros elétricos, entre muitos outros. Nesse contexto, Estados Unidos e China ampliaram o seu compromisso com a transição energética, assumindo em 2023 e compromisso mútuo de tentar contribuir para triplicar a capacidade de produção de energias renováveis no mundo até 2030.2 Esse compromisso serve para demonstrar que a preocupação com as mudanças climáticas tem gerado a demanda por medidas cada vez mais incisivas, mas também serve para indicar que tanto os Estados Unidos como a China devem fazer esforços cada vez maiores para tentar aumentar a sua influência nesse comércio a nível global.

 

China, Meio Ambiente e Política Industrial 

         Inicialmente, muitos pensavam que a ascensão econômica da China poderia resultar numa relação de cooperação, através de ganhos mútuos entre chineses e ocidentais. A primeira etapa do crescimento industrial chinês era focada na redução dos custos de produção para formar preços competitivos no mercado internacional. Esse tipo de produto não costumava concorrer com as indústrias do ocidente, que tentavam controlar setores da economia que requerem os mais altos níveis de tecnologia. Além disso, a industrialização chinesa dependia em larga escala dos seus parceiros ocidentais para suporte financeiro e tecnológico.

Muitas empresas do ocidente já estavam praticando a estratégia de mandar as suas indústrias menos especializadas para países emergentes, e viram a China como um lugar ideal para implementar essa iniciativa. Os custos mais baixos de produção na China fizeram com que empresários estrangeiros que produzissem no país conseguissem aumentar a sua margem de lucro, ao mesmo tempo em que conseguiam manter os preços baixos para os consumidores de seus países, ajudando a controlar a pressão inflacionária.

Porém, o rápido crescimento chinês fez com que o país começasse a investir cada vez mais em setores de produção mais especializados, o que começou a ameaçar os interesses das elites ocidentais. Além disso, conforme a economia chinesa ia crescendo, crescia também a capacidade do Partido Comunista Chinês de financiar projetos de desenvolvimento de forma autônoma, diminuindo a dependência do financiamento do ocidente. O resultado disso é que a relação econômica entre a China e os países do ocidente deixou de ser vista como uma relação de cooperação e ganhos mútuos e passou a ser vista como uma relação de concorrência.

Outra mudança relevante que ocorreu nas últimas décadas foi o crescente compromisso da China com metas ambientais em níveis doméstico e internacional. Inicialmente, havia uma relutância por parte de alguns membros do Partido Comunista Chines de engajarem em compromissos ambientais, alegando que isso atrasaria o desenvolvimento econômico do país. Porém, nos últimos anos a estratégia chinesa está caminhando na direção de tentar aproveitar as mudanças que estão ocorrendo no mercado internacional, devido às mudanças climáticas, para tentar controlar setores de produção que estão em um estágio relativamente inicial de desenvolvimento.

         Devido ao seu imenso potencial industrial, a China conseguiu dominar alguns desses setores no comércio internacional. Em 2023, o país foi responsável por 45% do comércio de carros elétricos3, 51% dos paineis solares4, além de ser responsável por aproximadamente 50% da energia renovável adicionada no mundo5. No ano de 2023 por exemplo, estima-se que as energias renováveis tenham sido responsáveis por aproximadamente 2% de crescimento adicional no PIB chinês,6 além de contribuir positivamente para o crescimento dos investimentos. Isso serve para indicar que a percepção do desenvolvimento sustentável como um entrave para o maior desenvolvimento econômico tem perdido força, devido aos números que a China vem obtendo na transição energética.

 

Estados Unidos e a ‘Guerra Comercial’

         O consenso formado por Xi Jinping e Barack Obama foi fundamental para os compromissos assinados na Agenda 2030 e no Acordo de Paris em 2015.7 Os documentos indicavam o desejo dos países ampliarem a sua cooperação em metas relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Porém, as mudanças recentes no comércio internacional e as decisões tomadas pelos últimos governos demonstram a dificuldade que os norte-americanos estão enfrentando para conciliar cooperação ambiental e disputa comercial.

         Com a eleição de Donald Trump no ano seguinte, os Estados Unidos passaram a manifestar um interesse menor em cooperar com a China e com causas ambientais. A saída do país do Acordo de Paris demonstrava não apenas um relativo negacionismo por parte do governo dos Estados Unidos em relação às causas ambientais, como também a pouca vontade de resolver esses problemas junto à comunidade internacional. Trump também impôs tarifas mais altas para produtos chineses no que ficou conhecido como ‘Guerra Comercial’.8 O argumento usado pelo ex-presidente dos Estados Unidos é que o déficit comercial com a China correspondia a quase metade de todo o déficit comercial dos Estados Unidos, variando em torno de US$ 300 bilhões a US$ 400 bilhões de dólares.9

         Porém, apesar do aumento das tarifas ter contribuído para uma redução no déficit com a China, ele se mostrou pouco eficiente para reduzir o déficit total. Isso se deve ao fato de que as importações passaram a ser feitas de outros países, incluindo países para onde as indústrias chinesas estavam começando a migrar. Um exemplo disso é o México, país vizinho dos Estados Unidos e membro do NAFTA se tornou recentemente o maior exportador de produtos para o seu vizinho do norte.10 O fato de o México estar recebendo indústrias chinesas ao mesmo tempo em que possui extensos acordos de livre comércio com os Estados Unidos tem sido motivo de preocupação em Washington.

         Com a derrota de Donald Trump na eleição de 2020, havia a expectativa de que os Estados Unidos pudessem reatar parte da relação de cooperação que possuía com a China antes de 2016. Porém, as decisões que o presidente atual Joe Biden vem tomando indicam que os Estados Unidos devem continuar adotando estratégias para tentar conter o avanço comercial chinês, até mesmo nos setores ligados à energia renovável, independentemente de qual partido esteja na Casa Branca. Apesar de defender a transição energética e os investimentos em desenvolvimento sustentável, o presidente norte-americano acredita que o seu país deve se manter competitivo dentro desses setores, e para isso pretende incentivar a produção dentro dos Estados Unidos.

         Em 2024, Biden aumentou para 100% a tarifa para carros elétricos chineses e para 50% a tarifa para paineis solares. Ele também lançou um programa de incentivos que envolveu US$ 700 bilhões de dólares para o setor de energia renovável condicionando esses incentivos a algumas restrições à compra de insumos vindos da China.11 Apesar da polarização política recente que vem ocorrendo nos Estados Unidos, a tendência de aumentar tarifas para produtos chineses deve se manter independente de uma vitória de Joe Biden ou Donald Trump.

 

Impactos

         As tarifas aplicadas aos carros elétricos e paineis solares chineses devem dificultar os planos de transição energética dos Estados Unidos, pois os preços competitivos chineses podem contribuir para atrair mais investidores ao mercado. Joe Biden tem o objetivo de iniciar uma agenda para que em 2030 50% dos carros vendidos nos Estados Unidos sejam elétricos, e até 2035 100% da energia seja renovável.12 Restrições aos produtos chineses podem dificultar o cumprimento dessas metas não apenas devido ao impacto que elas terão no preço final dos produtos, como também pelo impacto que elas podem causar na cadeia de insumos.

         A guerra comercial não afeta apenas os dois países, como também deve impactar diversos países ao redor do mundo. A produção de carros elétricos fez crescer a demanda por cobalto, matéria-prima que é essencial para o funcionamento desse tipo de veículos, e isso contribui para a escalada de conflitos, como por exemplo o que ocorre na República Democrática do Congo.13 A presença de condições de trabalho perigosas, trabalho infantil e falta de transparência em sua cadeia de insumos, abre espaço para questionamentos a respeito dos carros elétricos como promotores de desenvolvimento sustentável.

         Porém, a participação de países emergentes nesse tipo de mercado não se restringe ao comércio de matérias-primas, pois esses também têm se tornado produtores e consumidores cada vez mais importantes dentro do mercado internacional. Um exemplo disso é o Brasil, que não é apenas um grande exportador de commodities para a China, como é também o maior importador de carros elétricos.14 Até mesmo alguns líderes europeus estão começando a tentar disputar investimentos chineses, como forma de reduzir custos e incentivar o crescimento econômico, apesar de outras lideranças estarem tentando acompanhar as sanções que têm sido feitas pelo governo dos Estados Unidos.15

 

Conclusão 

         A implementação crescente de energia renovável representa sem dúvidas um grande avanço no sentido de se aproximar dos objetivos estabelecidos na Agenda 2030. Porém, é importante lembrar que essa agenda acredita na promoção da sustentabilidade através da parceria global e multissetorial em torno de expertise, tecnologia e financiamento. A evolução da guerra comercial entre Estados Unidos e China contribui não apenas para atrasar a transição energética, como também para que ela seja feita de forma mais cara e limitada, gerando efeitos colaterais para o restante do planeta.

 


Bibliografia: 

1 Nações Unidas Brasil. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. 15 de setembro de 2015. Dísponível em < https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustent%C3%A1vel >

2 U.S State Department. Sunnylands Statement to Enhance Cooperation on Climate Crisis. 14 de novembro de 2023. Disponível em < https://www.state.gov/sunnylands-statement-on-enhancing-cooperation-to-address-the-climate-crisis/ >

3 Dwayne Oxford. Are Chinese electric veichles taking over the world?. Al Jazeera. 20 de abrol de 2024. Disponível em < https://www.aljazeera.com/economy/2024/4/20/are-chinese-evs-taking-over-the-car-market >

4 Tatiana Lebreton. How China Became A Solar Superpower. The Coexperts. 2 de março de 2024. Dísponível em < https://www.theecoexperts.co.uk/solar-panels/china-solar-industry-dominance#:~:text=China%20now%20accounts%20for%20over,for%20a%20little%20over%202%25. >

5 Valor Econômico. Produção de painéis solares na China bate o recorde e supera o de qualquer outro país. 26 de janeiro de 2024. Dísponível em < https://www.theecoexperts.co.uk/solar-panels/china-solar-industry-dominance#:~:text=China%20now%20accounts%20for%20over,for%20a%20little%20over%202%25. >

6 Laura Myllyvirta. Analysis: Clear energy was top driver of China’s GDP grownt in 2023. Center of research on energy and clean air. 25 de Janeiro de 2024. https://energyandcleanair.org/analysis-clean-energy-was-top-driver-of-chinas-economic-growth-in-2023/

7 David Kelly. Seven Chinas: A Policy Framework. Fevereiro de 2018.

8 Brad Setser. The Right and the Wrong ways to Adjust the US-China Trade Balance. Council on Foreign Relations. 25 de junho de 2018. Disponível em < https://www.cfr.org/blog/right-and-wrong-ways-adjust-us-china-trade-balance >

9 Erica York. Tariff Tracker: Tracking the Economic Impact of Trump-Biden Tariffs. Tax Foundation. 26 de junho de 2024. Disponível em < https://taxfoundation.org/research/all/federal/trump-tariffs-biden-tariffs/ >

10 Natalie Alcoba. Politics and convenience drive Mexico to be US’s top trade partner. Al Jazeera. 13 de fevereiro de 2023. < https://www.aljazeera.com/economy/2024/2/13/politics-and-convenience-drive-mexico-to-be-uss-top-trading-partner >

11 12 Bridget DiCosmo & Chase Winter. Will Biden’s China Policy Slow US Energy Transition?. Energy Intelligence. 27 de junho de 2024. Disponível em < https://www.energyintel.com/00000190-566f-df74-a79f-5fff66320000 >

13 Jonas Gerding. DRC: Why is hard to make cobalt mining more transparent. 19 de março de 2023. Disponível em < https://www.dw.com/en/drc-struggles-to-make-cobalt-mining-more-transparent/a-68610784 >

14 Mauro Ramos. Porque o Brasil se tornou o maior importador de carros elétricos chineses e como o ‘Mover’ deve mudar o setor. Brasil de Fato. 26 de junho de 2024. Disponível em < https://www.brasildefato.com.br/2024/06/26/por-que-brasil-se-tornou-o-maior-importador-de-carros-eletricos-chineses-e-como-o-mover-deve-mudar-o-setor >

15 Giulio Piovacari. European nations compete for Chinese EV factories, jobs even as EU even as EU weights tariffs. Reuters. 10 de junho de 2024. Disponível em < https://www.reuters.com/business/autos-transportation/european-nations-compete-chinese-ev-factories-jobs-even-eu-weighs-tariffs-2024-06-10/ >


 
 
 

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