Artigo - Impacto do ciclo das commodities da última década no comércio exterior e nas economias latino americanas
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 16 de nov. de 2024
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Por: Gabriel Brandão Monteiro da Silva
INTRODUÇÃO
A América Latina é mundialmente reconhecida por ser uma região com ampla diversidade sociocultural, econômica e política, tornando-a atrativa em termos de investimentos. Tendo em vista que há diversos setores com potencial de crescimento, muitos analistas consideraram, ao longo das últimas décadas, alguns dos países latino-americanos como nações com alto potencial de crescimento econômico. Entretanto, tal cenário não se comprovou ao longo dos últimos 10 anos, quando se analisa que o crescimento médio do PIB das economias latino-americanas foi de 0,9% ao ano, contra 3,2% da média mundial (CEPAL, 2024). Tal resultado, em grande parte, é consequência das complexidades macroeconômicas mundiais vivenciadas no período. Nesse sentido, um dos fatores preponderantes para essa dinâmica foi a oscilação dos preços das commodities, com alta representatividade no PIB latino-americano, onde o petróleo (Brent), por exemplo, chegou a estar cotado a USD 143,68 em 2008, e alcançou a mínima do período em 2016, cotado a USD 29,64 (EXAME, 2016).
Naquele contexto, o petróleo havia perdido 75% de seu valor em apenas 2 anos, após o impacto do aumento de oferta de petróleo no mercado internacional com o fim das sanções americanas ao petróleo iraniano. Esse impacto foi mais significativo em economias que estavam mais expostas ao setor, tal como a venezuelana, onde o setor de óleo e gás representava 25% de seu PIB à época. Desse modo, isso comprova que a alta correlação entre os retornos do setor e da economia venezuelana se confirmou em 2016, quando o seu PIB registrou uma queda de 19%, segundo o Banco Central do país. Portanto, constata-se que a alta concentração de um setor específico na economia de um país pode trazer incertezas macroeconômicas, sobretudo se comercializados produtos de baixo valor agregado, como commodities. Estas, tipicamente com baixo diferencial competitivo, são suscetíveis, portanto, a terem seu potencial competitivo baseado em seu preço de venda, pressionando as margens operacionais das empresas locais, sobretudo em momentos de baixa demanda, afetando a sustentabilidade produtiva dos stakeholders do setor. Contudo, como demonstrado no gráfico abaixo, observa-se uma crescente dependência dos retornos do setor para o crescimento econômico do Brasil.

Fonte: Valor.Globo.com
Apesar das oscilações dos preços da última década, as exportações de commodities vêm ganhando representatividade nas economias latino-americanas, como se nota com o exemplo brasileiro, em que, se observados os dados da penúltima década, as commodities representaram 37,4% das exportações em 2001, evoluindo para 57% em 2010 e 69,7% em 2021. Logo, evidencia-se um aumento expressivo do setor na balança comercial do país, que possui correlação com o resultado do restante da região.
GANHOS PRODUTIVOS E ESTRATÉGIA CAMBIAL
Tais resultados podem ser justificados a partir da análise do ganho de produtividade do setor, como em commodities agrícolas, em que algumas economias latino-americanas, como a brasileira e a chilena, tiveram ganhos produtivos acima da média mundial - 3,18% e 1,82%, respectivamente -, contra 1,66%, no período de 2000 a 2019. Desse modo, isso aumentou a competitividade desses países em relação aos seus competidores mundiais. Esses ganhos produtivos se justificam pelos investimentos na mecanização da produção e em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para alavancar a capacidade produtiva. Como exemplo, há o caso da Embrapa, em que investimentos em P&D, levaram a empresa - que passou a pesquisar e investir em modificação genética de grãos - a um salto da produção de soja de 200% no período de 1997 a 2017, produto de maior representatividade das exportações de commodities brasileiras (CONAB, 2017). Há também outros fatores correlacionados, como o aumento da demanda chinesa ao longo do século, em que as exportações para a China representavam USD 3,8 bilhões e saltaram para USD 136 bilhões em 2020, um aumento de mais de 25 vezes, justificado, principalmente, pelas commodities. Por fim, outro fator crucial é a alta competitividade das exportações latino-americanas no mercado internacional, que, por estarem representadas por economias com câmbios mais depreciados - tais como o peso argentino, o real brasileiro e o peso colombiano -, acabam por tornar as exportações mais baratas, de modo a aumentar seu nível de competitividade e atratividade no mercado internacional. Portanto, este foi um fator que influenciou positivamente no aumento da representatividade do setor.

Fonte: XP.com
CONTROVÉRSIAS DA ESTRATÉGIA CAMBIAL
Como resultado, essa depreciação cambial foi alvo de imbróglios diplomáticos envolvendo países como os Estados Unidos. Em 2019, o ex-presidente Donald Trump apontou que Mauricio Macri e Jair Bolsonaro, ex-presidentes de Argentina e Brasil, respectivamente, e seus aliados políticos, poderiam estar se beneficiando de tal depreciação para estimular suas exportações de commodities. Desse modo, ameaçou aumentar a taxação sobre o aço e o alumínio de ambos. Portanto, cabe ressaltar que países que se utilizam de estratégias cambiais e de outros meios que estimulem artificialmente a competitividade entre si podem ser alvo de retaliações de economias com alta influência no comércio exterior, como mencionado no exemplo norte-americano.
Ademais, um fator relevante que serviu de apoio para a construção desse cenário foram os subsídios concedidos pelos governos latino-americanos ao setor de commodities agrícolas. Segundo o levantamento da OCDE do ano de 2019, países como a Colômbia e o Brasil concederam estímulos que representaram 12,8% e 2,6% da receita dos agricultores, respectivamente (OCDE, 2019). Tal estratégia governamental visa a permitir que os agricultores consigam ter sustentabilidade financeira e produtiva, sobretudo em períodos com pouca ou nenhuma receita, como no período entressafra. O foco produtivo dado ao setor de commodities, por conseguinte, resultou na queda da complexidade econômica, que é uma medida para mensurar a quantidade de capacidade e de know-how presente na produção. Em outros termos, os países latino americanos, ao terem um maior foco em ampliar a competitividade das suas commodities, acarretaram na desindustrialização de suas economias. Nesse sentido, como parâmetro de comparação, em 1991, o setor industrial representava 21,37% do PIB da região, enquanto que, em 2019, representava 12,46%, uma queda expressiva, sobretudo se comparado com regiões como a Europa, que registrou uma queda de 18,91% para 15,33% no mesmo período (BANCO MUNDIAL, 2019).
DESINDUSTRIALIZAÇÃO LATINO-AMERICANA
Um outro aspecto relevante quando se discute a desindustrialização das economias latino-americanas é a alta dependência de importações chinesas, que vêm ampliando a sua participação na balança comercial da região. Nesse sentido, conforme estimativas do instituto Atlantic Council, é previsto que essa tendência se amplie por todos os países da região até 2035, podendo reverter balanças comerciais positivas, como a brasileira, devido à alta dependência por produtos manufaturados chineses.

Fonte: Atlantic Council
IMPACTOS DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Seguindo a linha de raciocínio, vale a pena mencionar que um elemento o qual influencia na projeção realizada de aumento da dependência de importações chinesas é o fato de a desindustrialização das economias latino-americanas gerar uma maior dependência de importações de outros países. Essa análise é de suma relevância quando se destaca que a alta dependência de importações gera uma necessidade de controlar a depreciação cambial, já que os processos de importação são realizados por meio de moedas estrangeiras, sobretudo o dólar norte-americano. Portanto, a realidade retratada gera reflexões na política cambial latino-americana, que depende do equilíbrio cambial para garantir a sustentabilidade produtiva de suas economias. Diante disto, o gráfico abaixo comprova a existência de uma correlação positiva entre o crescimento PIB real da América Latina com o crescimento dos preços das commodities. Contudo, a dinâmica cambial mencionada se mostra relevante para a sustentabilidade não só de determinados setores da economia, como também de toda a dinâmica econômica da região, tendo em vista que a manutenção da competitividade dessas exportações são necessárias para a manutenção do equilíbrio das balanças comerciais, que, por sua vez, ajudam a equalizar a desvalorização cambial.

Fonte: IMF.org
CONCLUSÃO
Em suma, é importante ressaltar que o aumento expressivo das commodities nas exportações e na composição do PIB das economias latino-americanas é uma consequência natural do efeito oferta-demanda da economia, uma vez que a população mundial cresceu 33,33% em 24 anos e o PIB per capita mundial cresceu 138% no mesmo período (BANCO MUNDIAL). Sendo assim, há de se destacar que a alta do consumo e do desenvolvimento econômico gera uma maior necessidade de commodities agrícolas para consumo - e de demais commodities - para a geração produtos manufaturados pelas indústrias de bens de transformação. Entretanto, o fato de a demanda por commodities ser cíclica, e por serem produtos primários, o seu diferencial competitivo é o preço do produto. Isso torna, por sua vez, os preços instáveis, trazendo volatilidades para a balança comercial dos exportadores. A partir dessa análise, conclui-se que os resultados da economia latino-americana possuem uma correlação positiva com os preços das commodities, o que foi um fator impulsionador do crescimento médio do PIB da região (0,9%) na última década. Portanto, é relevante que os gestores públicos estejam atentos à sustentabilidade da desindustrialização das economias, sobretudo em um cenário de juros reais elevados nas economias latino-americanas, que pressiona a margem operacional dos produtores.
Referências bibliográficas:
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