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Artigo Mensal - O futuro da OMC

Por: Catalina Pestalardo, João Victor dos Santos, Letícia Lelis

Fonte: Shutterstock


A OMC (Organização Mundial do Comércio) é uma organização internacional e multilateral, que possui como objetivo principal a regulamentação das relações comerciais entre os seus 164 membros, prezando, assim, pela maior liberalização dessa área. A OMC foi fundada no ano de 1995, pouco após a Rodada do Uruguai, e acabou substituindo o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. 

Desde sua criação, a OMC tem tido muito sucesso na aderência e participação de novos países-membros e tem conseguido regulamentar o comércio internacional, em muitos casos, porém também tem sofrido com crises identitárias decorrentes de mudanças nas próprias tendências de comércio e na recente centralidade de novos atores dentro das dinâmicas comerciais. Tendo isso em vista, as discussões sobre o futuro da OMC e dos próximos passos a serem tomados para a continuidade e o sucesso da organização tem se intensificado, cada vez mais. Assim, debates sobre a reformulação da OMC, para que se adapte ao novo panorama do comércio internacional, considerando fatores como a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, o novo protagonismo do setor privado e o sistema multilateral, se tornaram centrais.

Após consulta sobre o "aggiornamento" da OMC, a grande maioria dos países-membros concordou que a manutenção do multilateralismo do sistema era essencial, pois concordam que esse é o modelo que melhor preservaria os mercados abertos, a livre competição e a livre iniciativa. Porém, além da consulta feita aos países membros, uma nova iniciativa tomada foi a consulta às empresas multinacionais, uma vez que sua presença no comércio internacional mostra-se cada vez mais forte, o objetivo seria procurar entender o que o setor privado opina sobre o próprio futuro da organização, mas também, sobre medidas que podem ser tomadas para aprimorar as dinâmicas comerciais, por esse motivo, no ano de 2018, lançou-se a plataforma "Global Dialogue on Trade", para coletar esses dados. 

Além disso, no Fórum Econômico Mundial de 2023, a atual diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, afirmou que as considerações sobre os atuais embates dentro do sistema internacional, como a guerra da Ucrânia e os restantes efeitos do pós-pandemia, são fatores que têm impactado as decisões dos países-membros e dos atores comerciais do mundo todo. Também, comentou que esses fatores têm feito com que diversas nações procurassem realocar seus centros de produção para áreas mais próximas da demanda. Sem contar que a preocupação com a segurança nacional têm aumentado, consideravelmente, em muitos países, visto que sua dependência em recursos, bens e serviços de outros países foi, cada vez mais evidenciada após esses conflitos, como por exemplo a dependência da União Europeia no gás russo, após a guerra da Ucrânia. 

Outrossim, todos esses fatores acabaram exercendo uma forte influência sobre os comportamentos comerciais das nações nos últimos tempos. Outro ponto que Ngozi ressaltou em seu discurso foi o fato de que acredita que, para o futuro da OMC, seria essencial o aumento da inclusão. Nesse viés, ela entende que o aumento da preocupação com a segurança nacional, acaba gerando um certo risco do que ele chama de "friend-shoring", ou seja, a tendência dos países a priorizarem ou até a comercializarem e obterem seus suprimentos exclusivamente daqueles países que consideram "amigos". Assim, ela salienta o fato de que essa tendência ocasiona uma distribuição desigual de ganhos econômicos dentro do sistema, também, faz referência ao fato de que nunca ouviu falar de um país-amigo sendo um país africano e que isso resulta na exclusão de certas regiões do comércio internacional. 

Ademais, outro ponto levantado pelo primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, foi a questão dos impactos ambientais do comércio e da importância de procurar priorizar uma abordagem mais verde. Ele diz, mais especificamente, que a problemática principal que abala o ambiente e que está fortemente presente no comércio é a carbonização, advinda das práticas industriais, e que, por isso, a "descarbonização" torna-se essencial para essa nova agenda da OMC. A maioria dos países Europeus já começaram a implementar efetivamente métodos mais sustentáveis em suas agendas e alegram-se com o apoio e a nova atitude dos Estados Unidos, com relação às políticas sustentáveis, uma vez que a proteção do meio ambiente e do ecossistema é um dever conjunto e necessita do maior apoio possível para ser viabilizado.    

Contudo, mesmo com todas essas expectativas para o futuro próspero da OMC, não pode- se negar que as relações de comércio têm mudado muito com o passar do tempo e muitos dos países que, antigamente, possuíam o interesse de um sistema de comércio universal e regulamentado, já não vêm isso como uma prioridade, fazendo com que negociações e acordos se tornem cada vez mais difíceis. A elaboração, em 2022, do "Pacote Genebra", foi o que demonstrou que, mesmo com dificuldades, os países-membros ainda estavam interessados na continuação da OMC e ficou claro que compreendiam que não existe nenhum outro fórum ou organização que possa substituir a OMC e que aquilo que é realmente necessário é a reformulação e a adaptação da organização aos novos moldes do comércio.

Dessa maneira, ressalta-se a importância do papel das conferências e das reuniões que visem fortalecer os laços e a comunicação entre os países-membros, dado que, assim como foi evidenciado no caso do MC12, com as propostas do "Pacote de Genebra", que, mesmo suas medidas não sendo tão efetivas, contribuiu muito para o engajamento dos membros e realçou as suas vontades de dar continuidade às atividades e ações da OMC. Pois, de alguma maneira, é a partir da falta de troca e comunicação dos membros, que interesses, que muitas vezes fogem das regulamentações da organização, surgem e podem afetar as dinâmicas de comércio, como um todo.

Sendo assim, esse novo cenário requer uma releitura e uma reavaliação de tudo que compõem a estrutura e a burocracia da OMC, para, assim, encontrar um novo molde que se adeque ao atual panorama e essa missão poderia acabar se tornando um dos maiores desafios da organização ou sua maior vitória.


Desenvolvimento - O que pode ser feito?

Expostos os fatores do atual cenário da OMC acima, nota-se como a revitalização e a reavaliação das estruturas da Organização Mundial do Comércio é, de fato, o único caminho viável para a sua sobrevivência em meio às recentes transformações no comércio internacional e às tensões geopolíticas atuais. Para tal, evidentemente, são necessárias a adoção de uma série de medidas eficazes.

Dentre elas, é vital promover uma reforma institucional a fim de tornar a organização mais ágil e inclusiva. Isso implica diretamente na revisão dos procedimentos de tomada de decisão, tornando-os mais eficientes, e modernizar as regras e regulamentos da OMC. Nesse sentido, poderiam ser implementados mecanismos que permitam decisões por “vontade da maioria” ao invés de por “consenso”, o que fatalmente agilizaria o processo de negociação e proporcionaria a tomada de decisões, de fato, mais populares entre os seus membros. Além disso, a modernização das regras e regulamentos da organização poderia incluir a simplificação de procedimentos burocráticos e a criação de diretrizes mais claras aos países. Dentro deste tema, é fundamental a criação de novas regras para o e-commerce (comércio eletrônico), temática emergente devido aos recentes avanços tecnológicos, a fim de se garantir um ambiente justo, competitivo e previsível para as empresas dos países membros. Similarmente, tais normas devem transmitir confiança e segurança aos consumidores, atores de suma importância neste contexto.

              Ademais, tornar o Sistema de Solução de Controvérsias ativo novamente e eficiente é absolutamente essencial neste momento, dada à escalada da guerra comercial entre os EUA e a China - que gera um comportamento mais anárquico, em especial, por parte destas duas grandes potências econômicas. O Órgão de Apelação poderia retomar suas atividades por meio de eleições de Juízes, ao invés de indicações - que podem ser vetadas pelos membros. Isso permitiria que novos mandatos fossem assumidos, evitando que se mantenha a paralisação do Sistema de Solução de Disputas Comerciais da OMC. A partir disso, as regras da OMC estariam mais respaldadas, tendo em vista que se reativaria um mecanismo para reforçar o cumprimento destas por todos os seus membros, através de julgamentos e consequentes punições aos infratores. Caso contrário, a Organização perde toda a sua credibilidade, sobretudo perante aos Estados menos dispostos a cooperar com os demais. Sendo assim, o fortalecimento do Sistema de Solução de Conflitos garantiria que a OMC fosse capaz de cumprir seu papel de árbitro imparcial em disputas comerciais internacionais e de promover um sistema de comércio global baseado em regras rígidas e bem definidas. Portanto, isto contribuiria para gerar maior estabilidade e previsibilidade no comércio internacional, beneficiando, assim, todos os países membros.

Relacionado ao ponto anterior, promover o engajamento ativo dos membros é vital para incentivar o plurilateralismo e/ou multilateralismo e resolver suas diferenças através de negociações. Para isso, a realização de reuniões regulares pode ser um mecanismo eficaz para tratar de questões comerciais de forma colaborativa e encontrar soluções que beneficiem todos os membros envolvidos. Além disso, poderiam ser criados comitês para tratar de questões mais específicas, como a adoção de barreiras não-tarifárias, por exemplo.

Outro aspecto essencial para a revitalização da OMC é priorizar a inclusão e o desenvolvimento, garantindo que os interesses dos países emergentes sejam devidamente considerados nas negociações, em vez de marginalizá-los. Ao assegurar que os países em desenvolvimento sejam tratados de forma justa, com transparência e recebam o apoio adequado, a OMC fortalece sua legitimidade e credibilidade, atualmente contestadas, como uma instituição que busca o melhor para todos os seus membros. Um mecanismo que pode ajudar nessa promoção de inclusão é a adoção de tratamentos preferenciais realmente satisfatórios e que considerem as limitações desses países. Dessa forma, é fundamental garantir o apoio contínuo e a adesão de novas nações à organização.

Focando na inclusão e no desenvolvimento, a OMC contribuiria para o progresso econômico sustentável de diversas nações, oferecendo assistência técnica, apoio para melhorar as capacidades comerciais e cumprir as obrigações da OMC, reduzindo as desigualdades econômicas entre os países. Além disso, contribuiria para uma redução da distribuição desigual dos ganhos econômicos do comércio provocada pelo fenômeno de “Friend-Shoring”. Em resumo, priorizar a inclusão e o desenvolvimento é crucial para manter o apoio dos países em desenvolvimento ao sistema de comércio multilateral liderado pela OMC, especialmente em um momento em que o multilateralismo enfrenta desafios do protecionismo e unilateralismo, garantindo uma melhor distribuição dos ganhos  entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Uma última medida eficaz é tornar o comércio internacional mais sustentável. Para isso, a OMC pode adotar novos parâmetros e mecanismos de análise que garantam o cumprimento dos compromissos sustentáveis por parte das nações. Em caso de descumprimento, punições comerciais podem ser implementadas. Além disso, a OMC pode oferecer benefícios, como reduções tarifárias, para os países-membros que adotem cadeias globais de valor sustentáveis.

Conclusão 

 É notório que a crise da OMC tem como origem múltiplos fatores. Percebemos que vem desde identidade, modelo institucional, geopolítica e economia. Se observa que os principais atores da economia mundial e seu abandono com a organização, também acarreta no seu enfraquecimento e respaldo. Muitos países fogem de mega acordos e compromissos. A economia de guerra inflama ainda mais essa dinâmica rumo ao protecionismo. Algumas soluções são dadas, mas sempre desrespeitando princípios como o da “não discriminação”. Neste cenário, percebemos que as soluções podem ser reformas desde o modelo deliberativo e até mesmo a modernização dos processos burocráticos. Observamos também que a autoridade da OMC, deve ser reforçada em um momento de guerra, evitando comportamentos agressivos e promovendo comportamentos cooperativos. Também ampliar a participação e o compromisso dos membros com a inclusão de novas agendas e da adesão de novos países. Vemos também um potencial a ser explorado, como a implementação e fortalecimento de uma agenda ODS (2016), tornando-se uma plataforma de difusão de uma governança que presa pelo desenvolvimento e a sustentabilidade.


Referências


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