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Artigo Mensal (Setembro) - Caminhos do Isolacionismo: Perspectivas da Era Trump

Por: Anna Clara Arruda Cuello, Maria Clara Villanueva, Geovana Maira, Arthur Molina Alves Magalhães


Fonte: Divulgação/Campanha de Donald Trump



Introdução

Alguns dos conceitos mais recorrentes e presentes no âmbito político e econômico são o nacionalismo e o protecionismo, termos que, apesar de distintos, andam muitas vezes juntos em planos de interesses nacionais. Estes se mostraram extremamente fortes na política de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos (2017-2021), e, no momento, novamente candidato à presidência. Apesar de o nacionalismo e o protecionismo serem políticas destinadas à proteção da produção do Estado e à defesa do idealismo de independência e autodeterminação, a exaltação extrema desses fenômenos por uma ou mais figuras políticas pode acarretar em cenários de conflito e tensão internacional.

O nacionalismo é uma ideologia política e social baseada na lealdade e compromisso de um indivíduo à sua nação. Ele se baseia originalmente na soberania nacional, defesa de interesses de uma nação à identidade de um Estado, composto por sua cultura, história, etnia, etc. Historicamente, ele foi utilizado para justificar a intolerância e xenofobia de diversos líderes, como no caso do nazismo na Alemanha, perpetuado por Adolf Hitler. Nesse sentido, o ultranacionalismo é presente em regimes fascistas, enfatizando de maneira exagerada a superioridade, orgulho, e frequentemente usado como forma de justificar a ideia de "exclusividade racial" e rejeição a outros grupos, como é o caso dos conflitos étnicos que devastaram os Bálcãs, em sua maioria comandados pelo governo da Sérvia que promoveu políticas de supremacia étnica, atacando croatas, bósnios e albaneses.

Dito isso, durante a presidência de Donald Trump, uma característica forte em seu mandato foi a priorização de interesses dos Estados Unidos antes de qualquer negociação ou consideração internacional, refutando acordos multilaterais. Além do mais, também tinha uma posição contrária à imigração, levando à construção do muro na fronteira com o México. Segundo o ex-presidente, essas eram medidas visando a uma maior segurança do país e ao mercado de trabalho americano. Entretanto, é necessário pontuar que nenhuma dessas ações acarretam em grandes benefícios, pois suas políticas comerciais nacionalistas prejudicaram suas relações diplomáticas com outros países e a postura anti-imigração não favoreceu o mercado estadunidense como esperado, tendo em vista que é composto e movimentado por um alto índice de imigrantes.

Ademais, o protecionismo é uma política econômica com objetivo de proteger as indústrias e produtores nacionais do estrangeiro. Isso é feito por meio da imposição de tarifas alfandegárias, quotas de importação e fornecimento de subsídios para empresas nacionais. No entanto, essa política também pode gerar desvantagens, como o aumento dos preços para consumidores, e possíveis tensões e guerras comerciais com outros países. 

Nesse sentido, o principal exemplo de protecionismo no mandato de Donald Trump ocorreu em 2018 quando o governo dos Estados Unidos impôs altas tarifas sobre produtos importados chineses, como o alumínio e bens de alta tecnologia, alegando práticas comerciais desleais. A China, em contrapartida, aplicou tarifas equivalentes sobre produtos americanos. Como consequência, o mercado agrícola estadunidense foi gravemente afetado, porque a nação asiática era um dos maiores mercados de exportação agrícola, e o aumento do preço de bens de consumo nos Estados Unidos impactou os consumidores. Sendo assim, uma disputa entre duas grandes potências econômicas mundiais, pode gerar consequências a demais países, podendo prejudicar o crescimento do Produto Interno Bruto global.

Portanto, é visível que, apesar de serem conceitos distintos, o nacionalismo e protecionismo muitas vezes caminham juntos, inclusive na Era Trump. Eles emergem frequentemente como reações contra a globalização, sendo vista por nacionalistas e protecionistas como prejudicial à unidade nacional. 


Políticas e Medidas Protecionistas da Era Trump 

O slogan "América em primeiro lugar", defendido pelo ex-presidente Donald Trump, na prática, minou o sistema comercial multilateral, antecipando um cenário de negociações baseadas na força, poder e influência de cada nação (El País, 2020). A imposição de tarifas sobre as importações e a renegociação de acordos comerciais, com o objetivo de proteger a indústria doméstica da concorrência de países com salários mais baixos, como a China, demonstraram a postura abertamente protecionista adotada pelos Estados Unidos em sua política comercial, durante o governo Trump. Nesse sentido, a seguir, serão analisadas algumas das principais medidas implementadas que exemplificam esse viés protecionista, com destaque para a guerra comercial com a China, a revisão de acordos comerciais e as tarifas sobre aço e alumínio. 

Em  2018, os Estados Unidos iniciaram oficialmente uma guerra comercial contra a China (Grossklaus, 2022), justificada pelo seu déficit comercial em relação à nação asiática, a transferência forçada de tecnologia de empresas americanas para chinesas e alegações de práticas comerciais desleais por parte do país asiático. Dentre os principais fatores apresentados, a principal razão apresentada por Trump para a imposição de tarifas sobre produtos chineses foi o déficit comercial (Grossklaus, 2022). Segundo o ex-presidente, a economia dos Estados Unidos estava sendo prejudicada pelos grandes volumes de importações de bens da China, o que afetava negativamente a produção nacional e resultava em um aumento das taxas de desemprego no país (Grossklaus, 2022).

Desse modo, incapaz de competir com a elevada produtividade e com os preços baixos dos produtos chineses, o governo Trump argumentou que a transferência de capital produtivo para a China havia provocado um declínio significativo na base manufatureira e industrial americana. Aliado a isso, a autossuficiência da China em tecnologia e inovação, o acesso facilitado a subsídios de um Estado empreendedor e uma política industrial robusta foram destacados como fatores que ameaçavam a competitividade dos Estados Unidos. Como resposta, a estratégia adotada por Trump para tentar reequilibrar a balança comercial foi a aplicação de tarifas sobre produtos de origem chinesa. 

Sendo assim, em Janeiro de 2018, as primeiras tarifas foram anunciadas, inicialmente sobre a importação de painéis solares e máquinas de lavar. Essa decisão foi tomada a partir de uma recomendação da Comissão Federal de Comércio Internacional dos EUA, e consiste na tarifação de 30% sobre a importação de painéis solares pelo período de 4 anos, bem como na tarifação de 50% sobre máquinas de lavar de grande porte importadas, por um período de 3 anos (Grossklaus, 2022). Tais medidas visavam a proteger as indústrias domésticas e os trabalhadores americanos de uma competição estrangeira considerada injusta, especialmente vinda da China. Como resposta, o governo chinês criticou as medidas como sendo protecionistas e contrárias às regras e princípios estabelecidos pela Organização Mundial do Comércio (OMC),  prejudicando a ordem econômica global.

Ademais, em julho de 2018, o governo norte-americano anunciou tarifas que incidiram diretamente sobre as importações chinesas, atingindo, aproximadamente,  US$ 34 bilhões em produtos chineses (Grossklaus, 2022). Finalmente, em 26 de agosto do mesmo ano, entraram em vigor tarifas que haviam sido prometidas na campanha eleitoral do ex-presidente, com a taxação em 25% sobre uma ampla gama de produtos chineses, especialmente nas áreas de tecnologia e maquinário. Essas tarifas foram responsáveis por escalar a disputa entre os dois países, levando a retaliações chinesas.  

Assim sendo, em abril de 2018, a China impôs tarifas retaliatórias de 25% sobre importações dos Estados Unidos, incluindo 94 diferentes linhas tarifárias de alimentos e de produtos agrícolas. Estas incluíam, principalmente, carne suína, frutas e nozes. Em julho de 2018, a China expandiu essas tarifas, passando a atingir um total de 697 linhas tarifárias (Congressional Research Service, 2019). Tais medidas afetaram produtos agrícolas americanos, como a soja, de forma a impactar diversos produtores rurais dos EUA. 

A guerra comercial foi seguida de uma série de consequências, como o aumento dos preços de importações para consumidores e empresas americanas, a desestabilização de cadeias de suprimento globais e a desaceleração do crescimento global (Portal G1, 2020). No entanto, Trump argumentava que essas medidas forçariam a China a negociar um acordo mais justo para os EUA, o que resultou na assinatura da "Fase 1" de um acordo comercial (em inglês, fase one trade deal), no início de 2020.

Outra medida implementada que demonstra o viés protecionista do governo americano foi a renegociação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), substituído pelo Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA). A campanha presidencial de Donald Trump usou a revisão do acordo como um de seus principais pontos, identificando-o como causa dos problemas sociais e econômicos enfrentados pelo país, prometendo que sua substituição traria de volta os empregos que haviam sido transferidos para o México devido à competição com mão de obra mais barata, e, ao mesmo tempo, reverteria o expressivo déficit comercial com o parceiro do sul. 

Nesse sentido, um dos principais objetivos da administração Trump com a renovação dos acordos supracitados foi aumentar a participação da produção norte-americana nos veículos comercializados entre os EUA, Canadá e México, reduzindo a concorrência com peças automotivas vindas da Europa e Ásia. Ao mesmo tempo, essa medida atendia aos interesses da indústria do aço, que possuía forte influência sobre certos membros do Congresso. Além disso, enquanto os trabalhadores da indústria automotiva mexicana recebiam cerca de US$25 por dia, seus equivalentes nos EUA ganhavam aproximadamente US$160 por dia (Pasquariello Mariano, Mattos e Sugahara, 2021). O governo norte-americano apontava essa diferença como injusta, argumentando que incentivava as empresas estadunidenses a terceirizarem sua produção para o México, onde a mão de obra era mais barata. Diante disso, o USMCA trouxe a imposição de novos requisitos de conteúdo local e maiores salários para os trabalhadores do setor automotivo, visando a limitar a vantagem competitiva do México no setor manufatureiro (Pasquariello Mariano, Mattos e Sugahara, 2021). Esse acordo estabelece novas regras sobre o Conteúdo Valor-Trabalho (CVT), estipulando que uma parte significativa da produção de carros e outros automóveis, como caminhões, seja realizada por trabalhadores que recebam mais de US$16/hora de trabalho. Além de estipular que, até 2023, aproximadamente 40% das peças e partes de veículos deveriam vir de fornecedores que pagassem esses salários, dessa forma, forçava as montadoras a priorizarem fornecedores dos Estados Unidos (Pasquariello Mariano, Mattos e Sugahara, 2021). Na prática, o USMCA não altera as condições dos trabalhadores norte-americanos e canadenses, atingindo apenas os mexicanos. 

Dentre suas implementações, o principal diferencial do Acordo Estados Unidos-México-Canadá foi na regulação do comércio e dos serviços digitais, que não eram abrangidos de forma tão clara pelo antigo NAFTA. Sua nova versão inclui regras mais rígidas para a proteção de dados, incentiva o livre fluxo de informações entre os três países e busca promover o comércio digital. Essas medidas modernizam o pacto comercial, tornando-o mais adequado à economia digital contemporânea.

Embora o USMCA tenha sido menos disruptivo do que as tarifas impostas na guerra comercial com a China, ele acabou por reforçar o discurso do ex-presidente de proteger a indústria nacional e os empregos americanos, buscando equilibrar as condições competitivas para as empresas domésticas. Dessa forma evidencia-se o caráter protecionista da administração. 

Ademais, a imposição de tarifas sobre aço e alumínio é outra medida que exemplifica o caráter protecionista do governo Trump. Em março de 2018, com base na Seção 232 do Trade Expansion Act, de 1962 - que permite ao governo impor tarifas sobre produtos importados que são considerados uma ameaça à segurança nacional -, foi anunciada a imposição de tarifas de 25% sobre importações de aço e 10% sobre alumínio (Tax Foundation, 2022). Essa decisão foi justificada como uma forma de proteger a indústria nacional de práticas comerciais injustas, corrigir o déficit comercial e preservar a segurança nacional. 

Nesse contexto, o principal argumento utilizado por Trump era de que as indústrias de aço e de alumínio americanas estavam sendo prejudicadas pela concorrência internacional, que fazia uso de práticas comerciais desleais, como a venda de produtos a preços muito baixos, além das más políticas comerciais com diversos países ao redor do mundo. Com as tarifas, o governo visava a incentivar esses setores e proteger os empregos relacionados a eles. 

Como consequência, essas tarifas geraram retaliações de parceiros comerciais, como a União Europeia e o Canadá. Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia entre 2014 e 2019, afirmou que as tarifas colocariam milhares de empregos europeus em risco e que a UE reagiria de forma firme e proporcional para defender seus interesses (BBC, 2018). No Canadá, a ex-ministra das Relações Exteriores, Chrystia Freeland, anunciou que o país tomaria "medidas de resposta", resultando na imposição de tarifas próprias tanto por parte da União Europeia quanto pelo Canadá sobre produtos americanos. Além disso, as tarifas sobre as importações de aço e alumínio aumentaram o custo de produção para os fabricantes, resultando na redução do emprego nessas indústrias, no aumento dos preços para os consumidores e na diminuição das exportações. Dessa forma, não apenas afetaram as empresas diretamente envolvidas, como também outras indústrias dependentes desses materiais, impactando a economia americana como um todo. 

Portanto, a guerra comercial, a revisão de acordos comerciais e a imposição de tarifas sobre aço e alumínio, são políticas que evidenciam o viés protecionista do governo Trump, que via as práticas de livre comércio vigentes como prejudiciais ao comércio e à competitividade americana. Apesar de algumas medidas terem alcançado seus objetivos, como o de pressionar parceiros comerciais a negociar novos acordos mais favoráveis, a maioria delas gerou grandes consequências econômicas internacionais e nacionais, como as retaliações de tarifas e o aumento de custos para os consumidores americanos. 


As Consequências do Nacionalismo e Protecionismo

Como apresentado ao longo das sessões anteriores, o nacionalismo e o protecionismo têm gerado consequências profundas no cenário geopolítico, econômico e social contemporâneo. Países que adotam essas posturas priorizam seus próprios interesses em detrimento da cooperação internacional, criando um cenário de enfraquecimento de alianças tradicionais e disputas de poder cada vez mais acirradas. Esse fenômeno não é novo na história, embora os desdobramentos recentes indiquem uma intensificação desse movimento.

Nesse sentido, uma das principais consequências do ressurgimento nacionalista foi a alteração da balança de poder mundial. A gestão de Donald Trump nos Estados Unidos exemplificou essa tendência de maneira bastante clara. Sob os slogans nacionalistas, os EUA adotaram uma postura isolacionista, afastando-se de acordos multilaterais e de papéis de liderança global em diversas questões. Exemplos notáveis incluem a retirada dos EUA da Parceria Transpacífico e do Acordo de Paris, movimentos que geraram não apenas consequências econômicas, mas também uma mudança na liderança internacional em pautas como o meio ambiente (González, 2017).

Consequentemente, o enfraquecimento das alianças tradicionais, como a transatlântica entre os EUA e a Europa, criou brechas no sistema global de cooperação. Isso abriu espaço para que outras potências, como a China e a Rússia, ampliassem sua influência em áreas estratégicas. No que lhes diz respeito, o avanço da China no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, assim como sua crescente presença na América Latina, são exemplos claros do vácuo deixado pelos EUA ao abandonarem certos compromissos globais. A Rússia, por sua vez, fortaleceu sua presença no Oriente Médio, especialmente no conflito sírio, ao mesmo tempo em que construiu alianças com regimes autoritários (González, 2017).

Nesse contexto, observou-se um fortalecimento das relações econômicas entre a China e outros parceiros globais, como a União Europeia e países latino-americanos, como Brasil, Argentina e Chile. Em resposta às tarifas dos EUA, a China intensificou suas parcerias econômicas, assinando acordos bilaterais com países como Rússia, Índia e África do Sul, que buscavam diversificar suas rotas de exportação. Isso reforçou a integração econômica chinesa, além de fomentar novos polos de poder econômico que não dependiam diretamente dos Estados Unidos.

Por outro lado, o protecionismo também gera impactos internos significativos. No curto prazo, ele pode proteger determinados setores industriais, mas, no longo prazo, tende a elevar os custos de produção e de consumo, prejudicando a competitividade global da economia nacional. A título de exemplo, o aumento dos preços de bens importados, como resultado das tarifas, afeta diretamente o poder de compra da população e pode desacelerar o crescimento econômico. Isso foi evidente nos Estados Unidos, onde setores como o agrícola e o de manufaturas enfrentaram dificuldades para competir em um cenário de tarifas e restrições comerciais.

No campo social, o nacionalismo muitas vezes intensifica um discurso de "nós contra eles", exacerbando posturas xenófobas e excludentes. Políticas de imigração mais rígidas são comuns em governos nacionalistas, e os Estados Unidos, sob a gestão de Trump, não foram exceção. Essas políticas geraram tensões não apenas nas relações internacionais, mas também dentro das próprias sociedades, dividindo a população entre aqueles que apoiam a restrição de entrada de estrangeiros e aqueles que defendem políticas mais inclusivas (Vasconcelos Junior, 2023).

Como consequência, essas políticas de exclusão também afetam a coesão social dentro do país. A retórica nacionalista e protecionista, ao colocar a culpa de problemas econômicos e sociais nos "outros", muitas vezes gera um aumento de tensões raciais e étnicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo Trump foi acusado de alimentar discursos de ódio e intolerância, especialmente em relação a imigrantes latino-americanos e muçulmanos. Esse tipo de retórica cria uma polarização interna, fragmentando ainda mais a sociedade (Vasconcelos Junior, 2023).

Além disso, o nacionalismo protecionista tende a diminuir o papel de instituições multilaterais e a enfraquecer organizações internacionais como a ONU, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Acordo Climático de Paris. Governos nacionalistas geralmente enxergam essas instituições como entraves à soberania nacional e ao controle sobre suas próprias políticas econômicas e sociais. Sendo assim, a saída dos EUA de vários desses acordos sob Trump exemplifica essa tendência, o que criou um vácuo de liderança global e prejudicou a capacidade de ação coletiva em crises internacionais.

Paralelamente, outro efeito direto do nacionalismo se trata da fragmentação de blocos econômicos e políticos tradicionais. Como exemplo emblematico, saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit), embora motivada por diversas razões, reflete essa ascensão de uma mentalidade nacionalista. O Brexit gerou incertezas não apenas para a economia britânica, mas também para o futuro da integração europeia, levantando questionamentos sobre a continuidade de outros países dentro do bloco (Vasconcelos Junior, 2023).

Ademais, a questão militar é afetada pelo patriotismo, uma vez que países nacionalistas tendem a aumentar os gastos com defesa em nome da segurança nacional, em detrimento da diplomacia e da cooperação internacional. Nos Estados Unidos, a administração Trump pressionou os aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a aumentarem seus gastos militares, ao mesmo tempo em que reduziu o compromisso dos EUA com a defesa coletiva, o que causou tensões dentro da aliança.

Em termos econômicos, o nacionalismo pode levar a uma maior concentração de poder econômico dentro de certos setores e a uma diminuição da competitividade no mercado global. As políticas protecionistas de subsídios e barreiras tarifárias podem beneficiar empresas nacionais no curto prazo, porém, no longo prazo, prejudicam a inovação e a competitividade. Além disso, ao restringir o comércio internacional, essas políticas podem levar a represálias de outros países, resultando em guerras comerciais que prejudicam tanto os exportadores quanto os consumidores (Vasconcelos Junior, 2023).

No cenário internacional, a ascensão dessa ideologia têm contribuído para o aumento das tensões entre potências globais. As disputas comerciais e militares entre os Estados Unidos e a China, bem como a retórica agressiva entre a Rússia e os países da OTAN, são exemplos de como o nacionalismo exacerba os conflitos globais. Em vez de promover a cooperação e a resolução pacífica de conflitos, os governos nacionalistas muitas vezes optam por uma abordagem confrontacional, baseada na defesa de interesses nacionais restritos.

Desde o início de seu governo, Joe Biden adotou uma postura mais multilateralista em comparação com Trump, mas manteve parte das políticas protecionistas da era anterior (Pereira, 2018). Nesse sentido, o foco na proteção de empregos domésticos, investimentos em infraestrutura nacional e incentivos à produção interna, como no setor de semicondutores e baterias elétricas, aponta para uma continuidade parcial dessas abordagens. O CHIPS Act, por exemplo, se trata de uma iniciativa para reduzir a dependência de importações estratégicas, especialmente da China, cuja rivalidade com os EUA continuará sendo um motor central para o protecionismo, visto que as tensões comerciais entre as economias americana e chinesa em questões como tecnologia, segurança e direitos de propriedade intelectual seguem fomentando políticas restritivas.

Nesse contexto, a cadeia de suprimentos fragilizada, em uma visão global, reforça o argumento a favor de políticas que incentivam a produção doméstica e a relocalização de fábricas para regiões mais próximas dos países consumidores – ação denominada como “nearshoring”. Com isso, essas iniciativas impulsionarão governos a continuar buscando formas de proteger setores críticos como energia, tecnologia e saúde, objetivando uma redução da vulnerabilidade a choques externos.

Ademais, o combate às mudanças climáticas pode dar origem a uma nova forma de protecionismo econômico: a adoção de medidas protecionistas disfarçadas de políticas ambientais, como tarifas sobre produtos intensivos em carbono. Dentre elas, pode-se mencionar o "carbon border adjustment mechanism" instaurado na União Europeia, cujo objetivo é garantir que as indústrias locais que operam sob normas ambientais rigorosas não sejam prejudicadas pela concorrência de produtos importados que possam ser fabricados em países com regulamentações ambientais mais frouxas. 

Enquanto isso, a transição energética pode incentivar políticas que favoreçam a produção nacional de tecnologias verdes, como paineis solares, veículos elétricos e turbinas eólicas. Esse protecionismo "verde" pode se tornar uma nova face do nacionalismo econômico no futuro, à medida que países busquem garantir liderança no setor de energia limpa.

Por fim, o nacionalismo pode ter consequências políticas internas, enfraquecendo as instituições democráticas e minando o estado de direito. Em muitos países, governos nacionalistas têm sido acusados de promover políticas autoritárias, enfraquecendo a imprensa livre, o judiciário independente e as instituições de controle democrático. Ao concentrar poder em líderes fortes e centralizadores, o nacionalismo pode corroer a qualidade da democracia e abrir caminho para regimes autoritários (Vasconcelos Junior, 2023).

Em síntese, o nacionalismo e o protecionismo reconfiguram profundamente a dinâmica global, tanto nas relações econômicas quanto nas políticas sociais e geopolíticas. Ao priorizarem os interesses nacionais em detrimento da cooperação internacional, esses movimentos geram consequências negativas a longo prazo, tanto para o país que adota essas políticas quanto para o equilíbrio global.


Conclusão 

O governo Trump marcou um período de profundas transformações na política externa e econômica dos Estados Unidos, com o isolacionismo emergindo como um ponto-chave de sua administração. Essa postura reflete uma tendência histórica de se distanciar dos problemas europeus e globais, caracterizada por uma visão de que a América deveria focar na construção e na preservação de seu próprio modelo de democracia e liberdade. No plano doméstico, o protecionismo e o nacionalismo econômico, simbolizados pelo "America First", foram vistos como uma iniciativa de revitalização econômica, buscando fortalecer a indústria americana e proteger empregos, especialmente em setores como a manufatura e o aço.

No plano internacional, houve uma provocação de rupturas nas relações dos Estados Unidos com seus aliados e parceiros, resultando na sua retirada de acordos multilaterais, como o Acordo de Paris, e o distanciamento de organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), gerando desconfiança entre aliados, enfraquecendo a posição dos EUA na liderança global das dinâmicas de cooperação internacional.

Além disso, a guerra comercial com a China buscou combater práticas comerciais desleais e proteger a indústria americana, mas também intensificou as tensões globais e afetou o comércio internacional (Pereira, 2018). O isolacionismo resultou em um enfraquecimento do soft power americano e abriu espaço para o crescimento da influência de outras potências globais e regionais (Rodrigues, 2017). Nesse sentido, debates sobre a dependência econômica dos EUA em relação a outros países forçaram uma reavaliação da globalização. No entanto, o isolacionismo também resultou em um enfraquecimento do soft power americano e abriu espaço para o crescimento da influência de outras potências globais e regionais.

Em última análise, a administração de Donald Trump nos oferece uma reflexão sobre os limites e as possibilidades do isolacionismo em um mundo cada vez mais interdependente (Rodrigues, 2017). Embora os desafios colocados por essas políticas tenham sido profundos, eles também abriram espaço para debates fundamentais sobre o equilíbrio entre nacionalismo e globalização, e sobre o papel dos Estados Unidos como líder global.



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