Artigo - Tríade do Leste Asiático: o impacto da cooperação entre China, Coreia do Sul e Japão no comércio internacional
- Liga de Comércio Internacional PUC-Rio
- 30 de mai.
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Por: Flávia Rodrigues

RESUMO
A cooperação econômica entre China, Coreia do Sul e Japão, conhecida como Tríade do Leste Asiático, institui um modelo alternativo de integração regional, apoiado na interdependência comercial e na inovação tecnológica. A partir das iniciativas iniciadas nas cúpulas da ASEAN+3 até a criação do Secretariado Trilateral, percebe-se o estabelecimento de uma estrutura pragmática focada na eficiência econômica, excluindo alinhamentos políticos rígidos. A Tríade fortalece o protagonismo asiático nas cadeias globais de valor, proporciona avanços coordenados em pesquisa e desenvolvimento e procura diminuir a dependência de mercados ocidentais, além de simbolizar uma reconfiguração estratégica do comércio global, com poder para influenciar a governança econômica internacional nas próximas décadas.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o Leste Asiático conquistou importantes espaços em centros da economia global, com destaque para a cooperação econômica entre China, Coreia do Sul e Japão. Esta aliança, apesar das tensões históricas travadas e das diferenças político-culturais extremas, estabelece um ponto de interdependência comercial, fomentando a economia regional na Ásia e impactando profundamente a economia global. Essa ligação representa um modelo alternativo de desenvolvimento econômico baseado em inovação tecnológica e industrial, considerada uma aposta no comércio internacional. A formação dessa aliança afronta as tradicionais estruturas de blocos econômicos ocidentais ao priorizar resultados e enfatizar o crescimento em áreas como comércio, exportação, infraestrutura e pesquisa, sem a ancoragem em arranjos políticos, e principalmente, desafia uma independência do comércio ocidental. Simultaneamente, também traz o fortalecimento da Tríade do Leste Asiático, influenciando cadeias globais de valor e reconfigurando fluxos logísticos e comerciais.
Historicamente, o processo de institucionalização da aliança entrelaça-se com trajetórias históricas e culturais diferentes que influenciam seu crescimento econômico no século XXI. A China passou de um modelo socialista para uma economia de mercado sob controle estatal, atualmente ocupando a segunda maior economia global em crescimento nas últimas décadas. A Coreia do Sul, por sua vez, transformou-se em potência industrial após a Guerra da Coreia, que dividiu o país, com foco em exportações de alta tecnologia e apoio dos chamados chaebols - conglomerados empresariais sul-coreanos com estrutura familiar de caráter oligopolista e com poder de influência política e econômica. Por outro lado, o Japão, com expressiva indústria desde o século XIX, consolidou sua economia após a Segunda Guerra com o apoio organizacional e o forte sistema exportador, alcançando a terceira posição entre as maiores economias mundiais.
Culturalmente, os três países compartilham liames no confucionismo, baseados nos ensinamentos de Confúcio, doutrina ética e filosófica que surgiu na China e fundada por Confúcio (551–479 a.C.), pensador que defendia valores como a hierarquia social, a lealdade e a integridade coletiva. Esses aspectos comportamentais e sociais auxiliaram na formação de sociedades organizadas e com alto grau de integridade social, contribuindo para a formulação das bases econômicas da aliança a longo prazo. No entanto, diferenças religiosas e políticas, em especial conflitos históricos - sobretudo em relação à colonização japonesa da Coreia e à invasão da China na década de 1930, ainda influenciam negativamente a dinâmica trilateral.
INÍCIO DA ALIANÇA
O início da Tríade começou a se formar no final da década de 1990, durante a cúpula da ASEAN+3, que contou com Japão, China e Coreia do Sul como convidados dos países do Sudeste Asiático. A partir dali, os três países passaram a negociar mecanismos de cooperação financeira de caráter não governamental e econômico.
Em 2008, foi realizada a primeira cúpula exclusivamente entre os líderes da China, Japão e Coreia do Sul, onde construiu-se a primeira base em direção à institucionalização. Nesse cenário preambular, foram estabelecidas, entre os mercados nacionais envolvidos, estratégias de crescimento e estabelecimento de acordos de cooperação. Após três anos, em 2011, foi criado o Secretariado Trilateral (TCS), sediado em Seul, na Coreia do Sul, com o propósito de fortalecer a intercomunicação, ampliar os acordos trilaterais e gerar um suporte sólido para a manutenção da cooperação. Esses acordos, ao permitirem que os países troquem alianças de produção e de comercialização, proporcionam estímulo na mobilidade dos capitais internacionais, além de assegurarem mercados de exportação, fontes de energia e matérias-primas, e o desenvolvimento da sua atribuição regional, como os acordos com os países da Ásia Oriental.
Favorecidas pelas mudanças no contexto internacional, a utilização da política regional de acordos de livre comércio, de uma maneira tática, deu auxílio para contrabalançar a crescente influência dos Estados Unidos na Ásia Oriental, a fim de reposicionar-se no contexto da ordem regional do Leste Asiático e no mundo. Ao longo desse processo, foram recuperadas as características históricas e culturais comuns, favorecidas pela afinidade de objetivos em torno do desenvolvimento econômico, o que culminou em uma reestruturação estável do sistema internacional e na mudança de objetivos políticos internos. A aliança foi um fator de importante estímulo às grandes comercializações e à descoberta, em especial, de novas formas de comércio, indústria e tecnologia. O progresso por meios de cooperação e comunicação, ainda que de maneira apolítica, tornou o processo ainda mais relevante nos anos seguintes.
Apesar disso, mesmo com a instituição da base em Seul, a trajetória da aliança é marcada por altos e baixos. Disputas territoriais, como a Dokdo/Takeshima (entre Japão e Coreia do Sul, respectivamente) e Diaoyu/Senkaku (entre China e Japão), bem como rancores históricos ligados à Segunda Guerra Mundial e à ocupação japonesa na Ásia, geram instabilidades frequentes. Esses conflitos são influenciados principalmente em razão de discursos nacionalistas vinculados a áreas como defesa, segurança, política e militarismo. No entanto, Berger afirma que os países do Leste Asiático priorizam cada vez mais a busca de desenvolvimento econômico, recusando a tradicional rivalidade militar e política (BERGER, 2003, p. 397). Vale ressaltar também o modelo apresentado por Katzenstein (2005), onde Estados que abandonam a dinâmica de bipolaridade da Guerra Fria exercem o poder de maneira mais complexa, em contextos regionais diversos, onde cada país age por conta própria.
IMPACTOS DA TRÍADE NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
O fim dos desentendimentos ideológicos e das ameaças militares, a coparticipação do Leste-Oeste, juntamente com a crescente propensão econômica, trouxeram “terreno fértil” para a cooperação abrangente em múltiplas áreas, entre agentes até então inimagináveis. Essa cooperação tem efeitos inerentes sobre os fluxos comerciais, a redefinição do comércio global, a integração das cadeias de valor globais e o avanço tecnológico coordenado, sendo sua retomada ainda mais benéfica para que os três países explorem novas oportunidades e se revigorem. Apesar da crescente disputa industrial, as três nações juntas representam cerca de 20% da população global, 25% do PIB global e 20% do volume global de comércio, sendo primordial para estabelecer estabilidade no comércio internacional.
Vale destacar que a tríade tem reforçado a posição da Ásia no âmbito do comércio e da produção, e os três países têm procurado reduzir sua dependência dos mercados tradicionais ocidentais, como os Estados Unidos e a União Europeia. Um exemplo disso foi a criação de acordos como o RCEP (Acordo Regional Abrangente de Parceria Econômica), que engloba a Tríplice Aliança e tem impulsionado o comércio asiático, tornando a localidade mais autossuficiente e destacando seu valor no comércio global. Economicamente, a Coreia do Sul e o Japão são parceiros comerciais vitais para a China, e a colaboração entre eles ajuda a dirigir possíveis conflitos e manter a estabilidade regional. Ademais, dados da Associação de Comércio Internacional da Coreia (KITA) também reforçam essa dependência em relação a matérias-primas essenciais para a produção e a indústria.
No campo da integração das Cadeias de Valor Globais, esse modelo de "produção fracionada" difundido possibilita uma interdependência com maior eficiência, mas também tem levado à descentralização da produção global, fazendo com que o comércio entre as três economias asiáticas tenha um peso relevante nas exportações e importações internacionais. Outro impacto do modelo trilateral é o avanço tecnológico coordenado, sendo que os três países estão entre os maiores investidores mundiais em pesquisa e desenvolvimento (P&D). A Coreia lidera em semicondutores, o Japão em robótica industrial e a China em inteligência artificial e energia limpa. Esse encontro transforma a Tríade em uma referência global em inovação, inspirando padrões de produção, consumo e regulação internacional.
Contudo, o modelo também exibe fragilidades. A dependência excessiva da produção chinesa, especialmente pós-COVID-19, induziu o Japão e a Coreia do Sul a repensarem suas políticas de segurança econômica, incentivando a diversificação de cadeias e o de setores estratégicos. Além disso, o risco de tensões geopolíticas também representa uma ameaça à estabilidade comercial. Nesse cenário, o fortalecimento desse modelo asiático pode, inclusive, redefinir padrões de governança econômica internacional. Assim, a consolidação de uma governança econômica asiática liderada por essa tríade pode redefinir o equilíbrio de poder no comércio internacional nas próximas décadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cooperação entre China, Coreia do Sul e Japão representa como a geoeconomia pode se somar à geopolítica. Ainda que o legado de conflitos e disputas permaneça, a interdependência econômica e o pragmatismo político têm conduzido a construção de um núcleo de integração regional que influencia diretamente a dinâmica do comércio internacional.
O caso da Tríade do Leste Asiático é um exemplo de um modelo alternativo ao ocidental de integração, focado na cooperação flexível e busca por resultados. Na trama de desglobalização seletiva atual, tensões EUA-China e vulnerabilidade climática, o fortalecimento da tríade pode exprimir uma das principais influências estruturantes da economia mundial no século XXI.
REFERÊNCIAS
FEDERATION OF KOREAN INDUSTRIES. Global supply chain prospects and challenges corporate awareness survey [글로벌 공급망 전망과 과제 기업 인식조사]. 08 jul. 2022. Disponível em: m.fki.or.kr/bbs/bbs_view.asp?cate=news&content_id=1661fa47-96be-4785-a385-fbcf1b4a5ee2
KATZENSTEIN, Peter J. Regionalism and Asia. In: The Political Economy of Security in Asia. p. 353–368. Publicado online em: 18 ago. 2010. Disponível em: http://proquest.umi.com/pqdweb?did=65085477&sid=3&Fmt=3&clientId=8424&RQT=309&VName=PQD.
MINISTRY OF FOREIGN AFFAIRS OF JAPAN. Japan-China economic relationship and China’s economy. Disponível em: https://www.mofa.go.jp/a_o/c_m2/page23e_000652.html.
THE KOREA TIMES. South Korea, Japan and China's trilateral cooperative mechanism restored at ASEAN Plus Three. 10 out. 2024. Disponível em: https://www.koreatimes.co.kr/foreignaffairs/20241010/south-korea-japan-and-chinas-trilateral-cooperative-mechanism-restored-at-asean-plus-three.
Impacts of the trilateral alliance between South Korea, Japan, and China. Disponível em: https://www.bing.com/search?q=Impacts+of+the+trilateral+alliance+between+South+Korea%2C+Japan%2C+and+China.
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